Há meio século, em La Coruña, na Espanha, uma loja de roupas começou a costurar uma revolução na indústria da moda. A ideia foi de Amancio Ortega, então um entregador de camisas. A Zara — que era para ser chamada de Zorba, em homenagem ao filme Zorba, o Grego, mas foi rebatizada por já haver nas redondezas um bar com o mesmo nome do clássico do cinema — emergiu com um conceito audacioso: encurtar o tempo entre a concepção de uma peça e sua chegada às araras. Era a inauguração do fenômeno do fast fashion — modelo que, nas últimas décadas, dominou o varejo.
Hoje cinquentona, a Zara exala jovialidade. É a joia da coroa da Inditex, conglomerado que abarca um portfólio de marcas, incluindo Massimo Dutti e Pull & Bear, além de outras seis grifes. Com presença global em mais de 5 500 lojas em 98 países, o grupo ostenta excelentes resultados financeiros. No último exercício, as vendas totalizaram mais de 45 bilhões de dólares, com lucro líquido de 6,9 bilhões de dólares. O fundador, aos 89 anos, é uma das figuras mais abastadas do planeta, com fortuna estimada em impressionantes 120 bilhões de dólares, a nona do planeta.

De uns tempos para cá, a competição ficou muito mais acirrada, devido às aceleradas transformações impostas pela velocidade da internet. Premida pelo sucesso de titãs digitais como Shein e Temu, que operam em ritmo mais rápido e a custos mais competitivos, a Zara teve queda de 4% nas vendas no último trimestre. Nada assustador, tampouco nada que rompa com a premissa inaugural, o da aceleração do ciclo de criação, produção e distribuição — reduzindo-o de seis meses para três semanas. Dessa forma, peças recentemente lançadas nas passarelas de Paris, Nova York e Milão não demoram a ter seu estilo reproduzidos na rua, entre comuns mortais.
Além da concorrência, a Zara teve de superar no meio de sua trajetória um escândalo. Em 2011, a marca enfrentou acusações de envolvimento com trabalho análogo à escravidão em oficinas terceirizadas no Brasil. Embora medidas corretivas tenham sido implementadas e sistemas de compliance mais rigorosos estabelecidos, o episódio deixou uma mancha na reputação da empresa. Desde então, a Zara tem se empenhado em um reposicionamento de sua imagem, adotando um discurso mais alinhado à ética e à sustentabilidade.

O dilema, contudo, persiste: como conciliar a sustentabilidade com uma escala de produção? O próprio grupo Inditex reconhece a complexidade da travessia e tem investido para reverter essa percepção. Um dos pilares dessa transformação é o programa Join Life, que estabelece metas, como a eliminação de plásticos descartáveis nas lojas, a utilização de algodão de origem responsável e o compromisso de que 100% das matérias-primas sejam mais sustentáveis até 2030. “Hoje não existe algodão sustentável suficiente no mundo para atender à demanda da Zara”, diz Lorena Borja, especialista em tendências de consumo do Istituto Europeo di Design (IED).
Em outro passo destinado à sobrevivência, nos últimos anos a Zara tem intensificado os esforços para tentar a difícil missão de se consolidar como uma marca de luxo acessível, e não como ícone da simplicidade. Coleções de nomes como o do estilista Stefano Pilati e Kaia Gerber, filha da supermodelo Cindy Crawford, além de colaborações com perfis como o Style Not Com, buscam seduzir um público exigente. A questão que se impõe é: será essa estratégia suficiente para garantir segurança comercial associada ao dinamismo da confecção?

Na prática, a Zara trilha estrada um tantinho menos centrada na rapidez (essencial, na lida com os algoritmos que decifram os gostos dos consumidores) e mais no real desejo do bem-vestir. É difícil, embora não impossível, o casamento das duas artimanhas. A marca aspira transcender a mera função de destino de compras, almejando tornar-se referência de estilo e comportamento. É, novamente, uma corrida contra o tempo, um tempo especial. O relógio contemporâneo marca as horas da crise climática, do consumidor ético, da chamada moda circular. “É um negócio em que nada é garantido”, resume o CEO da empresa, Óscar García Maceiras. A Zara pode ter sido a inventora do fast fashion, mas agora precisa provar que pode sobreviver àquilo que ela mesma criou. Os próximos cinquenta anos serão decisivos, no permanente equilíbrio frágil que é indissociável da engrenagem do estilo, que não para de se reinventar.
Publicado em VEJA de 18 de julho de 2025, edição nº 2953