Pelo menos vinte palestinos foram mortos enquanto esperavam por suprimentos em um posto de distribuição de alimentos no sul da Faixa de Gaza nesta quarta-feira, 16. O local é administrado pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF), uma entidade privada administrada por Israel e pelos Estados Unidos que substituiu as Nações Unidas nas operações humanitárias no enclave. De acordo com testemunhas e autoridades de saúde do território, guardas da GHF lançaram gás lacrimogêneo e spray de pimenta contra a multidão faminta.
A GHF atribuiu as mortes à confusão. Em comunicado, afirmou que dezenove das vítimas foram esmagadas e uma, esfaqueada, no que descreveu como uma “onda caótica e perigosa”. A organização não comentou sobre o uso de spray de pimenta ou gás lacrimogêneo por seus funcionários no posto de distribuição, que fica próximo a Khan Younis.
Já o Ministério da Saúde de Gaza afirmou que, das vinte vítimas, quinze morreram sufocadas pelos gases tóxicos disparados. É um marco sombrio para os palestinos em uma guerra na qual ataques israelenses já ceifaram mais de 58 mil vidas, a maioria civis.
“Esta é a primeira vez que mortes foram registradas devido a asfixia e tumultos graves em centros de distribuição de ajuda”, disse a autoridade de saúde do enclave.
Confusão e justificativas
Em um vídeo postado nas redes sociais, um homem descreveu cenas de guardas jogando gás lacrimogêneo contra a multidão, que já estava sem fôlego devido à corrida para chegar ao centro de ajuda.
“Eu estava correndo como todo mundo para chegar ao portão (do local)”, disse ele. “As pessoas estavam se esmagando no portão e eles (os guardas) começaram a jogar gás lacrimogêneo em nós.”
A GHF, por sua vez, afirmou ter identificado pessoas com armas na multidão pela primeira vez desde o início das operações e, segundo comunicado, confiscou o artefato. Sem dar detalhes ou evidências, acrescentou que pessoas com ligações ao grupo terrorista palestino Hamas “fomentaram a agitação”.
Perigo em centros de ajuda
Pelo menos 800 palestinos foram mortos pelas forças israelenses em centros de distribuição de alimentos desde que a GHF iniciou suas operações, no final de maio. As baixas registradas nesta quarta-feira foram as primeiras em um local controlado pelos seguranças armados da organização.
Israel proibiu a agência da ONU para refugiados palestinos, a UNRWA, de realizar as operações de entrega de suprimentos. O órgão possui de longe a maior rede de distribuição de ajuda humanitária no enclave, mas foi banido por Tel Aviv sob alegações de ser cúmplice do Hamas. (Após uma investigação interna, a UNRWA demitiu nove de seus 13 mil funcionários sob suspeita de envolvimento no ataque a comunidades israelenses em outubro de 2023, que desencadeou a guerra, mas não encontrou evidências das alegações mais amplas de Israel.)
A GHF pretende ser um substituto da UNRWA, mas seu método de entrega de alimentos – em um número limitado de locais fortemente militarizados – vem sido criticado pela comunidade internacional. As Nações Unidas, no final de junho, condenaram a “transformação de alimentos em armas” por Israel na Faixa de Gaza, o que definiu como um “crime de guerra”.
A organização administra apenas quatro locais para alimentar 2 milhões de pessoas. Antes, no modelo de ajuda administrado pelas Nações Unidas e pelas principais organizações humanitárias internacionais, que alimentou os palestinos durante quase 20 meses de guerra, havia mais de 400 pontos de distribuição de ajuda.
Uma startup sem experiência na distribuição de alimentos em zonas de conflito complexas, a GHF iniciou as operações de fornecimento de alimentos em 26 de maio, após Israel romper parcialmente o bloqueio à entrada de ajuda no enclave. Já no primeiro, as Forças de Defesa de Israel (FDI) dispararam perto de multidão de palestinos após a GHF perder controle do posto em Rafah, dando início a um tumulto. Uma série de episódios parecidos foram registrados desde então, alguns deles com mais de 50 vítimas.
A fundação afirma não se responsabilizar por mortes fora de seus perímetros.
Fome e insegurança alimentar
A população da Faixa de Gaza, composta por 2,3 milhões de pessoas antes da guerra, está em “risco crítico” de fome e enfrenta “níveis extremos de insegurança alimentar”, apontou um relatório da Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC), apoiada por agências das Nações Unidas, grupos de ajuda e governos.
O documento indicou que o cessar-fogo, que durou de janeiro a março, “levou a um alívio temporário” em Gaza, mas as novas hostilidades israelenses “reverteram” as melhorias. Cerca de 1,95 milhão de pessoas, ou 93% da população de Gaza, vivem níveis de insegurança alimentar aguda. Desse número, mais de 244 mil enfrentam graus “catastróficos”. A fome generalizada, segundo a pesquisa, é “cada vez mais provável” no território. No momento, meio milhão de palestinos, um em cada cinco, estão famintos em Gaza.