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Ganhar propina sobre remédios para deficientes. Milei está lascado?

“Estão roubando. Você pode fingir que não sabe, mas não jogue esse problema para mim. Tenho todos os WhatsApp de Karina”. Esse é um dos áudios arrasadores em que Diego Spagnuolo, que, aos poucos, parece fazer uma lenta tortura para Javier Milei e a irmã a quem não só venera, por tê-lo protegido do pai violento durante a infância, como dá um poder enorme, muito além do título de secretária-geral da Presidência.

O escândalo é do nível roubar os velhinhos aposentados do INSS, ou talvez até pior: receber propina de uma rede de farmácias que fornecia medicamentos superfaturados para pessoas com necessidades especiais. Spagnuolo, amigo e advogado de Milei, era o diretor da Agência Nacional para a Deficiência. Ele perdeu o cargo e quer vingança. Sabemos muito bem que os céus conhecem poucas fúrias iguais à de um “amigo com cargo público” rejeitado.

Mesmo falado no argentino coloquial, cheio de gírias, difícil para brasileiros, o entendimento é cristalino: superfaturamento, propinas, mesada para quem está no topo da lista, tudo isso faz parte, infelizmente, de um vocabulário comum.

O que bate em Karina atinge diretamente Milei, cuja falta aparente de ganância ajudou a formar a imagem do economista desbocado que vinha para botar abaixo um sistema repugnante para a maioria, no qual quem está no governo se locupleta, uma casta de altos funcionários públicos desfruta de benefícios impensáveis para os cidadãos comuns e uma corrupção tão entranhada que se tornava incombatível.

MAIS CERTO DO QUE O ESPERADO

A solução apresentada por Milei, radical como tudo o que ele faz, seduziu muitos argentinos: em vez de se dedicar à moralização, simplesmente acabar com as oportunidades de corrupção, eliminando órgãos e funcionários públicos. Só de ministérios, foram eliminados treze. Houve protestos maiores da oposição pelo fechamento de instituições, principalmente ligadas à cultura, mas a “tropa de Milei” aplaudiu: por que os argentinos mais pobres deveriam sustentar atores e diretores privilegiados, através, num dos exemplos mais conhecidos, da entidade dedicada a irrigar o cinema com verbas públicas?

A discussão, evidentemente, é quase eterna – e, no caso específico argentino, houve retorno através de filmes que todo mundo gosta de assistir, a começar pelos títulos, que não provocam espanto ou até repulsa como acontece do outro lado da fronteira.

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A imagem de Milei, como professor de economia dedicado apenas aos cachorros e aos livros, ajudou a bancar as reformas. Muitas coisas melhoraram, inclusive a inflação, o déficit público e o nível de pobreza, encolhido pelo refluxo nos aumentos constantes de preços. Tudo aproximou a Argentina da possibilidade de ser um país normal e contrariar um histórico de crises cíclicas que absurdamente se repetem, seja qual for a tendência política do presidente no poder.

Muitos céticos, escaldados pelo histórico argentino, reconheceram que Milei, contra todos os prognósticos, com sua proposta ultralibertária e com um partido criado do nada, estava dando certo, ou mais certo do que o esperado.

Mas a torcida contra por motivos ideológicos não só continuou como até aumentou: para os partidários do estado grande é uma ofensa – e uma ameaça – que as propostas de Milei funcionem.

‘QUEM OS ROUBOU? ’

Existe agora muita comemoração com o enorme golpe infligido por Diego Spagnuolo e seus áudios comprometedores – mesmo que para os brasileiros, seja importante que nosso vizinho e grande parceiro comercial se saia bem, fora a contaminação de imagem que mais uma crise argentina provocaria para uma economia já nada brilhante como a atual no nosso país.

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O quanto Milei será afetado poderá ser visto dentro de uma semana, com o resultado da eleições legislativas, especialmente na província de Buenos Aires e sua coorte de municípios, em boa parte tradicionalmente peronistas. As pesquisas não indicam nada de bom para Milei e seu partido, que já teriam dificuldade em enfrentar essa barreira tradicional. Segundo uma pesquisa citada pelo Página 12, que está no céu pelo golpe do que considera seu inimigo visceral, 62,5% acreditam que os áudios “refletem fatos graves de corrupção no governo” e apenas 32,8% acham que são produto de uma “operação” – a malfadada tentativa de atribuir as informações comprometedoras a uma armação política.

A perspectiva de que haja mais áudios para espalhar o terror piora tudo. Sem contar a sua origem. “Se os áudios são verdadeiros, quem os roubou? ”, indaga Ernesto Tenenbaum no Infobae. “O amigo de Milei? Sua irmã? O próprio presidente? Todos? São opções tremendas para um governo que prometeu cortar a mão de qualquer corrupto”.

BRIGA COM AUTISTA

A revisão dos benefícios por deficiência já tinha resvalado na imagem do governo – “De repente, se viram com famílias de deficientes que choravam diante de cada microfone ou câmera que chegasse perto. Trata-se de um adversário que nenhum político gostaria de ter por perto”, comentou Tenenbaum. Milei e companhia chegaram a brigar publicamente com um menino autista. Não é o tipo de coisa que faça sucesso.

Agora, a possibilidade de receber subornos sobre a venda de medicamentos tem um potencial devastador. Milei não desmentiu os áudios, apenas atribuiu tudo aos inimigos kirchneristas ou kukas, como dizem. Segundo um dos áudios, Spagnuolo contou a Milei sobre o esquema que beneficiava Karina. Se ela fosse uma ministra comum, seria possível demiti-la e tentar encerrar o assunto por aí. Mas ela é irmã, protetora e alter ego do presidente. Não é demissível.

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A última semana foi péssima para o governo, com os áudios sobre o esquema no órgão de atendimento aos deficientes, pesquisa indicando queda recorde no índice de confiança no governo e o eterno problema da fuga para o dólar – agora sem controles cambiais.

Durante um comício num município tradicionalmente peronista, Milei e comitiva foram apedrejados por militantes de uma organização de esquerda e, possivelmente, por moradores comuns. Em vez de acalmar o ambiente pré-eleitoral já volátil, Milei disse que foi “emocionante” receber a chuva de pedras. “Quando jogava futebol em Chacarita, vocês não fazem ideia da quantidade de vezes que fiquei em meio a chuvas de pedra. Estou acostumado a chuvas de pedras”, disse ele.

Mas quando as pedras são também metafóricas – e existem áudios ainda não revelados -, é difícil enfrentá-las como quem está “acostumado”.

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