A Ford anunciou que terá impacto de quase 20 bilhões de dólares, cerca de 108 bilhões de reais, em seus resultados após decidir reduzir drasticamente seus planos para a produção de veículos totalmente elétricos.
A montadora admitiu ter superestimado a demanda por carros movidos exclusivamente a bateria e, ao mesmo tempo, subestimado a resiliência de modelos a gasolina, diesel e híbridos.
A mudança de estratégia não é isolada. Outras grandes fabricantes, como General Motors e Stellantis, também vêm recalibrando seus planos e reforçando investimentos em veículos com motor a combustão e híbridos. O recuo do setor ocorre em um contexto de transformação do ambiente político e regulatório nos Estados Unidos desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca, em janeiro.
Desde o início do novo mandato, o governo Trump vem desmontando parte da arquitetura de incentivos criada para acelerar a transição energética. Subsídios à compra de veículos elétricos foram reduzidos, enquanto políticas de estímulo à exploração e ao consumo de combustíveis fósseis voltaram a ganhar protagonismo.
Neste mês, a Casa Branca anunciou ainda planos para enfraquecer significativamente os padrões de eficiência energética, diminuindo a pressão regulatória sobre as montadoras para investir em carros elétricos.
É nesse cenário que a Ford decidiu redesenhar seu portfólio industrial. Uma fábrica no Tennessee, inicialmente prevista para produzir uma picape elétrica, passará a fabricar um modelo a gasolina. A empresa também cancelou o desenvolvimento de uma van elétrica comercial e optou por lançar novas versões a gasolina e híbridas em Ohio.
Até mesmo o F-150 Lightning, versão elétrica de uma das picapes mais populares dos Estados Unidos, deixará de ser um veículo puramente elétrico. O modelo passará a contar com um gerador auxiliar movido a gasolina, capaz de recarregar a bateria quando ela se esgota. A produção do Lightning já havia sido suspensa em outubro.
Apesar do recuo, a Ford afirma que não abandonou completamente a eletrificação. A empresa mantém planos para lançar, em 2027, uma picape elétrica de porte médio, com preço estimado em torno de US$ 30 mil, similar ao de modelos equivalentes a combustão. A tecnologia desenvolvida para esse veículo poderá ser aplicada a outros modelos no futuro.
Jim Farley, presidente-executivo da Ford, defendeu a estratégia ao afirmar que a empresa estará mais protegida da concorrência chinesa, cujos veículos elétricos vêm ganhando mercado na Ásia, Europa e América Latina. Embora tarifas elevadas mantenham esses modelos fora do mercado americano, executivos do setor reconhecem que a barreira não será permanente.
Do ponto de vista financeiro, a maior parte do impacto anunciado decorre da desvalorização da divisão de veículos elétricos da empresa, que precisou ser registrada como perda contábil. Embora parte significativa do prejuízo seja apenas no papel, cerca de US$ 5,5 bilhões envolverão desembolso de caixa, principalmente ao longo de 2026.
A empresa também encerrou uma joint venture com a sul-coreana SK On. A Ford assumirá integralmente uma fábrica de baterias no Kentucky, que será adaptada para produzir grandes baterias estacionárias usadas por data centers e concessionárias de energia, frequentemente associadas a fontes renováveis como solar e eólica. Trata-se de um mercado no qual a Tesla já atua com força, mas que as montadoras tradicionais começam a explorar apenas agora.
Mesmo com o revés, a Ford projeta lucro operacional de cerca de US$ 7 bilhões em 2025, excluindo o impacto extraordinário. Ainda assim, a companhia deve registrar prejuízo líquido no quarto trimestre, quando a maior parte da perda será contabilizada.
A Ford afirma que, até 2030, metade de suas vendas será composta por veículos elétricos ou híbridos, mas com um peso maior para os híbridos do que o planejado anteriormente.
No curto prazo, porém, a decisão da Ford simboliza um movimento mais amplo da indústria automotiva americana, agora menos impulsionada por políticas públicas de transição verde e mais alinhada a um ambiente regulatório favorável aos combustíveis fósseis, redesenhado pela volta de Donald Trump ao poder.