A Cúpula dos Líderes, encerrada na sexta-feira (7), em Belém, foi concebida como a antessala da COP30, uma vitrine para medir o apetite político dos países às vésperas do principal encontro do clima da década.
Com 57 chefes de Estado e de governo reunidos, o evento buscou recolocar o Brasil no centro da governança climática global e mostrar que o país é capaz de articular consenso num momento de estagnação nas metas de emissões e frustração com o Acordo de Paris, prestes a completar dez anos.
Mas a baixa presença aponta para um mundo em ebulição geopolítica. Estiveram ausentes os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, da China, Xi Jinping, e da Índia, Narendra Modi, respectivamente, as três nações líderes em emissões de gases do efeito estufa. É o mais baixo quórum numa COP desde 2019. Nas redes sociais, os detratores do governo Lula passaram a chamar a COP30 de FLOP30.
Muitos dos que estão engajados nas discussões Belém, contudo, preferem ver o copo meio cheio. Na Cúpula dos Líderes, Lula reconheceu as dificuldades em se avançar nas ações climáticas, mas demonstrou confiança na busca por soluções.
Ele cobriu dos países ricos pelo não cumprimento das promessas financeiras feitas desde 2015. “O Acordo de Paris fez dez anos e ainda não cumpriu o que prometeu. Os que mais poluíram precisam pagar a conta da transição”, disse. A fala foi acompanhada de aplausos, mas também de cautela nos bastidores: os países desenvolvidos seguem divididos sobre os mecanismos de financiamento climático e as condições de acesso a fundos verdes.
Apesar do tom triunfalista do Planalto, a cúpula expôs o dilema de sempre entre discurso e entrega. Houve anúncios bilaterais e novos fundos, mas também uma ausência perceptível de compromissos quantificáveis.
“A crise climática deixou de ser uma previsão. Ela está se impondo no presente, alterando os extremos e testando os limites da nossa preparação. A COP de Belém será a COP da adaptação. Se conseguirmos fazer de Belém o ponto de virada entre promessas e resultados, o país deixará de ser apenas o palco dos impactos para se tornar protagonista das soluções”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
O Brasil em posição de liderança
O grande ativo político do Brasil foi a formação da Coalizão Global de Mercados de Carbono, iniciativa anunciada por Lula com o apoio da China, da União Europeia, do Reino Unido e da África do Sul.
A proposta, descrita como uma “aliança aberta”, busca criar padrões comuns para mercados de carbono e reduzir a fragmentação regulatória que hoje impede a integração entre países.
Segundo o Itamaraty, a coalizão “não é um acordo fechado, mas um movimento político” para influenciar o desenho final do Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata exatamente das regras de compensação de emissões.
“Se o Brasil quer ser o país da transição verde, precisa liderar pela norma”, disse o diplomata André Corrêa do Lago, em entrevista à Bloomberg Línea.
Além disso, o governo brasileiro conseguiu incluir na agenda da cúpula a “Declaração de Belém sobre Fome, Pobreza e Ação Climática Centrada nas Pessoas”, assinada por 43 países e pela União Europeia. O texto vincula o combate à desigualdade à adaptação climática, numa tentativa de conciliar o discurso social com a agenda verde.
Outro avanço concreto foi o lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), com aportes iniciais de cerca de US$ 5,5 bilhões, combinando recursos públicos e privados. O fundo será gerido por um consórcio internacional que inclui o BID, o Banco Mundial e bancos públicos brasileiros. A quantia, porém, é considerada ínfima diante da urgência.
“É um passo na direção certa, mas precisamos ver como será implementado”, disse Laurence Tubiana, ex-negociadora do Acordo de Paris e presidente da European Climate Foundation. “O Brasil ganhou visibilidade, mas agora precisa provar que tem estrutura técnica e política para entregar.”
O clima doméstico
No plano interno, o evento foi usado pelo governo como vitrine de política ambiental, mas também reacendeu resistências no Congresso e entre setores conservadores.
Parlamentares da oposição têm barrado propostas ligadas à descarbonização e à tributação de carbono no Congresso, alegando que podem “prejudicar a competitividade da indústria e do agronegócio”.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que “a COP virou palanque internacional de Lula” e criticou o custo de sediar a conferência em Belém.
“Alguém ficou rico na festa petista. A COP30 é só um circo para um monte de comunista se promover. Mas o mais interessante é que estão sofrendo um dos males do socialismo: comida boa, só para quem tem muito dinheiro. Algum esquerdista, como sempre, está ficando muito rico tirando dinheiro das pessoas”, disse o senador, em alusão aos altos preços cobrados pelo comércio no local do evento.
O que vem agora
A Cúpula dos Líderes cumpriu seu papel de marcar posição diplomática e reabrir a conversa entre Norte e Sul, mas não garantiu que os compromissos anunciados teriam respaldo financeiro ou político.
A COP30 herdará um ambiente ambivalente: de um lado, otimismo com o protagonismo brasileiro; de outro, desconfiança sobre sua capacidade de execução. Belém, que se tornou símbolo da Amazônia e do desafio da transição justa, será o palco do teste definitivo: o Brasil conseguirá transformar prestígio em entrega?