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Fiona Shaw: ‘Em Hollywood, disseram que eu era velha demais aos 28 anos’

Somando cinco décadas de teatro, cinema e televisão, a atriz irlandesa Fiona Shaw, 66 anos, possui créditos que vão da franquia Harry Potter até séries populares, como Killing Eve e Andor, do universo Star Wars. Prolífica, ela nunca tirou o pé do cinema de arte, substrato no qual ela agora lança Hot Milk, filme de Rebecca Lenkiewicz, baseado no romance homônimo de Deborah Levy, em cartaz nos cinemas no Brasil — e que futuramente entrará para o catálogo da plataforma Mubi.

Numa trama de mulheres, Rose (papel de Fiona) e a filha Sofia, interpretada pela atriz inglesa Emma Mackey, viajam à Espanha em busca de um tratamento pouco ortodoxo para a paralisia misteriosa da mãe. Embora tenha menos cenas do que a protagonista de Emma, que empresta a Sofia o mesmo frescor sensual de suas outras personagens Emily (Emily) e Jackie (Morte no Nilo), é Fiona que domina a tela.

A atriz conversou com VEJA durante o Festival de Berlim, de um hotel com vista para o Memorial aos Judeus Assassinados na Segunda Guerra Mundial. Chegou pedindo desculpas pelo atraso, ofereceu gim-tônica e chá e perguntou se hoje em dia alguém ainda lê alguma coisa — quer dizer, além da manchete.  A seguir, confira trechos da conversa:

Por que foi atraída por esse projeto em particular? Por Rebecca Lenkiewicz, a diretora. É difícil de acreditar, mas ela foi a primeira mulher com uma peça em cartaz no Teatro Nacional de Londres. Rebecca é realmente séria. Cheguei a uma idade na qual sou totalmente livre. Posso interpretar o que quiser. Tenho pena de Emma [Mackey], porque na sua idade os atores precisam vir com atributos que eu não tenho mais.

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Mas isso veio depois de uma carreira. No palco, sempre fui muito livre. Fiz uma variedade tão grande de coisas que pude sempre me manter livre. O cinema foi bem difícil no início da minha vida. Fiz Meu Pé Esquerdo (1989) com Daniel [Day-Lewis] e depois A Montanhas da Lua (1990). Então fui para Hollywood. Lá, disseram que eu era velha demais aos 28 anos. Minha vida seguiu um caminho diferente, fiz trabalhos como Harry Potter e há 10 anos, me cansei do teatro. Estava fazendo Testamento de Maria na Broadway. Achei que deveria estar feliz, mas me sentia desolada. Solitária, na minha própria rua. Um dia, saí da Broadway e resolvi dirigir óperas. Então começaram a me oferecer trabalhos no cinema. Parei com o teatro e devo dizer que estou me divertindo muito. Cinema é um trabalho duro, mas teatro é ainda mais duro.

O que mudou em Hollywood de quando, aos 28 anos, você foi considerada velha demais? Definitivamente, a idade. Havia uma teoria de que uma mulher não podia dirigir um filme e que qualquer pessoa com mais de 35 anos estava fora do cinema. Bem, é evidente que não é o caso. Talvez a população esteja envelhecendo. Mas eu não acho que seja isso. Não acho que as pessoas que me assistem sejam necessariamente da minha idade. Acho que os jovens também assistem.

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Fiona Shaw na série ‘Andor’, de ‘Star Wars’ –//Divulgação
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Quais são as principais diferenças entre fazer teatro e fazer cinema? Você muda sua mente. No teatro, você tem que ser transitório e entregar ao público o valor moral de cada coisa. No cinema, você não precisa fazer nada disso. Não precisa nem pensar nisso. Não é sua responsabilidade. Acho que tive que parar o teatro completamente para entender. No cinema, eu não estou dirigindo o carro. Estou apenas dirigindo o personagem. Mesmo nas expressões mais subliminares, é a diretora quem decide inclinar a câmera para o ator. A escolha é dela, e depois ela pode inclusive cortar a cena. Numa peça, você pensa: “preciso chegar ao fim dessa longa cena e consertar isso”. O teatro pode ser ostensivo ou muito sutil. Mas a noite morrerá a menos que você continue dirigindo. Acho que o cinema está mais adaptado à minha faixa etária hoje.

Fica mais nervosa no palco do teatro ou em um set de filmagem, ou não há uma grande diferença nisso? Gosto dos dois na verdade. Acho que eu fiquei mais quieta também porque estou mais velha. Era muito ativa no teatro. Agora estou aprendendo. Minha tendência perigosa no cinema é que eu tento entreter a equipe de câmera. Isso não é bom. Às vezes eu os faço rir e penso, isso foi bom. Mas não é a minha função. Eu não devo entreter a equipe de câmera. O teatro é mais generoso. Na noite anterior à filmagem, raramente durmo. Sabe, estou ansiosa porque você quer ser boa no dia.

Como decide aceitar um papel? Qual o seu processo? Isabelle Huppert sempre diz: “Primeiro, eu adoro ser convidada. Mas eu sou convidada para fazer muitas coisas”. Eu tento não me repetir. Recebo muitos papéis de pessoas do MI5, muitas professoras, muitas tias malvadas, sabe. Você tem que dizer não a tudo isso e esperar que a próxima coisa seja diferente o suficiente. É isso que realmente me move e no momento não estou fazendo nada porque estou esperando. Provavelmente vou fazer Passagem para a Índia no final do ano, o que acho que será ótimo. Mas por enquanto estou apenas esperando pela próxima coisa.

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Fiona Shaw e Sandra Oh na série 'Killing Eve' -
Fiona Shaw e Sandra Oh na série ‘Killing Eve’ –//Divulgação

Sua personagem em Hot Milk lembra a de O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, de 1962. Este foi um dos primeirosgrandes  filmes com personagens mulheres mais velhas do cinema, protagonizado por Joan Crawford e Bette Davis. Eram grandes personagens. Rose é menor. Não tem a expansividade dos americanos. Americanos são mimados porque tiveram tudo. Na Europa, não tivemos tantas coisas, fomos mesmo empobrecidos. Rose não é tão flamboyante. Rebecca não me deixou ser assim. Temos também a referência de O Homem do Braço de Ferro, e de todas essas personagens mulheres que poderiam andar, mas não andam.

Sua personagem é a força do filme. Rose está sempre reclamando, mas com bom humor. Há uma leveza em como você a interpreta. Como construiu isso? Ela é como Winnie, em Dias Felizes, de Beckett. Dias Felizes é uma peça sombria, mas Winnie é cheia de vida e Rose é cheia de vida. Quando eu estava fazendo Dias Felizes, recebi a visita de Roger Michell. Ele me contou que quando trabalhou com Beckett numa adaptação da peça, perguntou por que ele gostava tanto de Winnie. Ele respondeu: “Porque Winnie é vida”. Na pré-estreia ontem à noite, observei as pessoas. Quando Rose diz para Matty: “Você toca música? Tempo integral?”, eu ri. De um mundo inteiro que essa frase implica. Na Irlanda, é como se ninguém pudesse ser artista em tempo integral. Mas ninguém mais estava rindo.

 

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