As informações sobre Maria de Lourdes Castro Pontes (1900-1919) são tão fragmentadas quanto seus muitos apelidos: ela atendia pelos nomes Dasy, Daisy, Gracia Lohe, Lurdes e, principalmente, por Miss Ciclone. Uma das poucas mulheres a integrar as sementes que culminaram no movimento modernista da década de 1920, ela era ainda um raro exemplar dentro do gru0po vindo não da elite brasileira, mas da classe operária. Tinha uma “silhueta de mistério” e “olhos ingênuos”, segundo os homens que escreveram sobre ela. Agora, um filme brasileiro se propõe a tirá-la das sombras masculinas para, enfim, dar voz a um talento interrompido.
Em Cyclone, lançado no Festival do Rio, dirigido por Flavia Castro, Dasy ganha o protagonismo em uma trama ficcionalizada, inspirada nos livros O Perfeito Cozinheiro das Almas Deste Mundo, um diário coletivo de artistas organizado por Oswald de Andrade, e Neve na Manhã de São Paulo, de José Roberto Walker, romance que retrata a relação amorosa entre Ciclone e Oswald.
Produtora do longa, a atriz Luiza Mariani assume também o papel de protagonista. Na trama, Dayse se divide entre um trabalho em uma gráfica e a coxia do Teatro Municipal, onde trabalha e mantém um romance com o diretor Heitor Gamba (Eduardo Moscovis) — papel livremente inspirado em Oswald. Ela tenta uma bolsa de estudos em Paris enquanto enfrenta a dureza de ser uma mulher no início do século XX. Uma gravidez inesperada, porém, interfere em todo o seu planejamento de vida.
Apesar de ser um filme de época, a produção se relaciona com dilemas atuais: direitos reprodutivos, independência financeira feminina e aceitação no meio artístico são temas que saltam no roteiro. Tudo fica ainda mais atual com a belíssima ambientação de cores fortes e traços estilísticos pós-punk. Como o título, o filme Cyclone é intenso, belo e devastador — uma homenagem que faz jus à sua musa inspiradora antes esquecida. Cyclone integra também a programação da Mostra de SP e estreia nos cinemas em 27 de novembro.