Mais de 100 filipinos entraram com uma ação judicial contra a Shell em um tribunal de Londres, acusando a petroleira de ter contribuído para as mudanças climáticas que intensificaram o supertufão Rai, que atingiu o país em 2021. A empresa nega responsabilidade.
O tufão, um dos mais destrutivos da história recente das Filipinas, deixou mais de 400 mortos, centenas de milhares de desabrigados e prejuízos estimados em cerca de US$ 1 bilhão. Os autores da ação pedem indenizações por mortes, danos materiais, perda de renda, traumas psicológicos e destruição de meios de subsistência.
O processo foi apresentado no Reino Unido, onde fica a sede da Shell, mas se baseia na legislação filipina. Os demandantes afirmam que a empresa sabia há décadas que a queima de combustíveis fósseis contribui para o aquecimento global e, mesmo assim, manteve sua estratégia de exploração e produção, além de, segundo eles, atuar para enfraquecer o consenso científico sobre o tema.
A Shell classificou a ação como infundada. Em nota, disse que o debate sobre mudanças climáticas é público há décadas e envolve escolhas feitas por governos, empresas e consumidores, e que responsabilizar uma única companhia não contribui para enfrentar o problema.
O caso se insere em uma ofensiva jurídica crescente contra grandes emissores de gases de efeito estufa, embora os resultados práticos ainda sejam limitados.
Tribunais em diferentes países têm se mostrado mais abertos a discutir a relação entre emissões históricas, eventos extremos e responsabilidade corporativa, mas condenações diretas continuam raras.
Na Alemanha, o agricultor peruano Saúl Luciano Lliuya processou a empresa de energia RWE, alegando que as emissões históricas da companhia contribuíram para o derretimento de geleiras nos Andes e aumentaram o risco de inundações em sua cidade.
Ele perdeu a ação, mas o tribunal reconheceu que, em princípio, empresas podem ser responsabilizadas por danos climáticos, um marco jurídico citado com frequência por especialistas.
Na Holanda, a Shell chegou a sofrer uma derrota em 2021, quando um tribunal determinou que a empresa reduzisse suas emissões globais em 45% até 2030.
A decisão foi revertida em 2024, o que foi visto como uma vitória para a companhia, embora o juiz tenha reconhecido que grandes produtoras de combustíveis fósseis têm uma responsabilidade especial no combate à crise climática.
Outro caso emblemático envolve a petroleira ExxonMobil, alvo de ações nos Estados Unidos movidas por estados e municípios que acusam a empresa de enganar o público sobre os riscos climáticos de seus produtos. Esses processos ainda estão em curso e enfrentam resistência das empresas, que questionam a competência dos tribunais para julgar o tema.
Segundo especialistas, muitos desses processos recorrem à chamada ciência de atribuição, que busca estimar a contribuição histórica de empresas específicas para o aquecimento global. No caso dos filipinos, os autores afirmam que a Shell responde por pouco mais de 2% das emissões globais ligadas a combustíveis fósseis, enquanto as Filipinas contribuíram com cerca de 0,2%.
Para pesquisadores do direito climático, mesmo quando não resultam em condenações, essas ações têm efeito político e simbólico. Elas ampliam o debate público, pressionam empresas e governos e ajudam a construir precedentes para futuras decisões.