Ainda sem data de estreia, Nosso Lar 3: Os obreiros da Vida Eterna levará para as telas o quarto livro da saga escrita pelo médium Chico Xavier e atribuída ao espírito André Luiz. Dirigido por Wagner de Assis, o longa acompanha a tentativa de Zenóbia (Carol Castro) de salvar a alma de Domênico (Fábio Assunção. Os dois eram apaixonados em vida, mas acabaram impedidos de ficar juntos e Domenico acabou no Umbral depois de virar um padre abusador. Em uma visita ao set na zona oeste do Rio de Janeiro, VEJA acompanhou um dia de gravações do longa, e falou com Assunção sobre espiritualidade, fantasmas internos e a experiência de viver o líder do Umbral. Bem-humorado, ele explicou que seu figurino à la Game Of Thrones é tão quente e pesado que faz ele se sentir “como um condenado” no calor carioca. Confira a entrevista a seguir:
Seu personagem, Domênico, é um padre que acaba como líder do Umbral. O que pode adiantar sobre ele?
No início ele vive essa história de amor com a Zenóbia (Carol Castro), mas o pai dela faz com que ela se case com outro e ele fica em ruínas, em um estado de desamparo total. Nisso, o monsenhor o leva para a igreja e ele acaba virando padre, mas essa não é a vocação de Domênico, e sim um lugar de sobrevivência. Até por essa falta de vocação, ele não vê sentido na vida religiosa, e aí começa com as práticas de assédio contra as mulheres. Já morto, no Umbral, ele assume uma liderança que não tinha em vida, porque ele tem uma série de questões na cabeça: cadê o paraíso? Onde está a salvação? As pessoas pagam dízimo e vem parar aqui? Onde está Deus? Ele não consegue entender porque está naquele lugar e que tudo é parte de um processo evolutivo diante da gravidade do que ele fez em vida. É como se ele vivesse no Umbral em um lugar de ignorância e delírio.
Como o Umbral é retratado no filme?
Tem duas coisas interessantes que destacamos no Umbral: é um lugar de muito orgulho e vaidade. Esses são sentimentos de pessoas que não se sentem realizadas, legítimas e reverenciadas pelos outros. São pessoas que não são elogiadas, e tem a autoestima baixa. Isso faz com que elas se tornem muito conservadoras e extremamente orgulhosas. Elas precisam se afirmar o tempo todo, e a vaidade tem muito a ver com esse orgulho. O Domênico, por exemplo, usa uma maquiagem que eu vejo como uma tentativa de representar vaidade e poder.
Seu figurino parece pesar muito. Pesa mesmo?
Demais. As meninas da produção disseram que vão trazer aquela balança de mala para ver o peso. Eu disse que parece ter uns 20 quilos, mas elas apostam que sejam uns 7, então a gente vai fazer a prova dos nove algum dia. Essas capas foram uma ideia do próprio Wagner: o Domênico carrega todo esse peso e essas camadas como algo simbólico. Eu acho o figurino lindo, só não usaria na praia. Dá muito trabalho, mas acho que vai ter recompensa visual no filme. Além disso, a roupa também me ajuda a a entrar no personagem: eu entro nela e começo a suas, me sinto um condenado. Vou andando e a capa vai enganchando no chão, prendendo nas coisas, a mobilidade fica muito difícil e tudo isso ajuda.
Nosso Lar é inspirado na obra do médium espírita Chico Xavier. Como é a sua relação com a espiritualidade?
Meu pai trouxe a doutrina espírita para casa. Quando eu tinha uns 13 anos, ele foi até o Chico pegar uma mensagem do meu avô, que morreu quando ele era muito novo. Eu fui junto, mas não pude entrar. Depois, com 20 e poucos anos, eu fui fazer uma peça em Uberlândia e visitei o Chico. A minha relação com a espiritualidade sempre existiu, com a doutrina espírita, é que eu tive momentos de maior ou menor aproximação.

Fazer o filme mudou algo em relação a isso?
Não sei ainda como isso transforma o meu pensamento sobre a espiritualidade. Eu não sei te dizer se lugares como um Umbral ou a casa transitória existem. Eu tenho dificuldade em entender isso, mas acho que também é um pouco de falta de estudo da minha parte sobre a doutrina. Se eu tivesse que fundamentar isso, eu não saberia como — a não ser com fé. Mas eu não tenho dúvidas sobre a espiritualidade. Ela é muito presente na minha vida. A própria profissão de ator, em que você se desdobra espiritualmente em outros seres, as energias que você chama e joga para o público, é algo espiritual. Então, acho que o próprio fato de eu ser ator já me conectou com a espiritualidade a vida inteira.
O diretor falou que há uma espécie de energização no set. Como é isso?
Sim. É um processo ritualístico que eu acho maravilhoso. A gente faz isso no teatro também, só que na coxia não falamos palavras bonitas. Mas também tem a roda, esse momento que junta todo mundo. Teve um dia que o Wagner fez uma oração, colocou uma música. Geralmente as pessoas aplaudem quando ele termina de falar, mas dessa vez ficou todo mundo em silêncio por uns dois minutos. Eu olhei em volta e estava todo mundo de olho fechado, muito lindo. Eu acho que deixa uma frequência mais tranquila no set, e menos disperso. Hoje em dia tem sets em que as pessoas estão na bet apostando, no Instagram. E assim fica todo mundo mais focado.
Seu personagem é cheio de sombras internas. Se identifica com ele de alguma forma?
Em relação a isso com certeza. Quem não tem suas sombras, seus fantasmas e suas camadas? A gente pode tentar fugir delas, mas as coisas não funcionam assim. Eu acho que a vida é feita para viver assim mesmo, nesse lugar de evolução. Com relação à história dele especificamente eu acho que não, porque somos pessoas muito diferentes. Mas somos todos humanos.