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Extremismo castigado: como o STF encerrou um dos mais rumorosos processos da história

Em janeiro de 2024, Alexandre de Moraes concedeu a VEJA uma rara entrevista. Na época, o processo sobre a trama golpista ainda estava centrado na punição aos manifestantes que invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal um ano antes. Indagado sobre as críticas que já surgiam em relação às altíssimas penas aplicadas aos envolvidos, o ministro explicou que o rigor se justificava diante da gravidade de um movimento organizado que visava incensar um levante militar — e revelou que esses planos eram tão extremistas que incluíam até a hipótese de assassiná-lo: “Um deles, sumindo com o corpo”, destacou o magistrado. Não era exagero retórico. Meses depois, a Polícia Federal anunciou a descoberta de um documento intitulado “Punhal Verde Amarelo” que previa, entre outras coisas, a “neutralização” do ministro, do presidente Lula e do vice Geraldo Alckmin.

O autor do texto que praticamente selou o destino dos principais acusados pela intentona, o general da reserva Mário Fernandes, ex-secretário-executivo da Secretaria Geral da Presidência da República, foi preso. O plano de assassinato explicitava a disposição dos envolvidos em criar um ambiente para um golpe de Estado. A ideia seria matar Lula, Alckmin e Moraes três dias após a diplomação, que ocorreu no dia 12 de dezembro de 2022. Os encarregados da empreitada, os chamados “kids pretos”, uma tropa de elite do Exército, utilizariam pistolas, fuzis, metralhadoras e até um lança-granadas na operação. “Comprovou-se que os réus contribuíram para que a violência que assombrou o país em 8 de janeiro tivesse curso, sempre mirando a instalação de caos social que permitisse às Forças Armadas aderir aos planos de ruptura da ordem democrática”, disse o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet.

EXPIAÇÃO - Bolsonaro e Fernandes: os dois receberam as maiores penas
EXPIAÇÃO - Bolsonaro e Fernandes: os dois receberam as maiores penasEduardo Menezes/ASCOM/.

Na terça-feira 16, a Primeira Turma do STF sentenciou o general Mário Fernandes a cumprir uma das maiores penas entre todos os envolvidos na trama. Por unanimidade, os ministros o condenaram a 26 anos e seis meses de prisão pelos crimes de golpe de Estado, abolição do Estado democrático de direito, deterioração do patrimônio e organização criminosa — pena inferior apenas à de Jair Bolsonaro (27 anos e três meses), apontado como o líder da conspirata.

O “Punhal Verde Amarelo” foi redigido e impresso por Mário Fernandes em um computador do Palácio do Planalto, onde ficava seu gabinete de trabalho, no dia 9 de novembro de 2022, horas antes de uma reunião no Palácio da Alvorada entre ele e Jair Bolsonaro. Em seu interrogatório, o militar negou ter levado o documento ao ex-presidente. “Eu imprimi para ler no papel, para não forçar a vista. Após isso, rasguei”, alegou. Também negou que se tratasse de um plano de assassinato: “Esse arquivo nada mais retrata do que um pensamento digitalizado, um compilado de dados, um estudo de situação, uma análise de riscos que eu fiz. Não foi apresentado a ninguém e nem compartilhado com ninguém”.

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ELOS - Martins e Vasques: medidas de exceção e interferência nas eleições
ELOS - Martins e Vasques: medidas de exceção e interferência nas eleiçõesCristiano Mariz/Agência O Globo; Pedro França/Agência Senado

O relator do processo, Alexandre de Moraes, ironizou as explicações do general e disse que elas entrarão para os “anais da literatura”. Presidente da Turma, o ministro Flávio Dino classificou a atuação de Fernandes como “execrável e abjeta” e afirmou que se o general praticasse esses crimes durante um período de guerra seria considerado um “traidor da pátria”. O mesmo grupo que engendrou a “neutralização” das autoridades, segundo Moraes, também participou da elaboração de uma minuta de teor golpista e de ações para interferir no processo eleitoral.

Além do general, foram condenados o coronel Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro (21 anos), a delegada Marília Ferreira de Alencar, ex-­diretora de inteligência da Polícia Rodoviária Federal (8 anos e seis meses), o ex-chefe dela, Silvinei Vasques, ex-­diretor do órgão (24 anos e seis meses), e Filipe Martins, ex-assessor internacional da Presidência (21 anos). O sexto acusado do chamado Núcleo 2 da trama, o delegado Fernando de Sousa Oliveira, foi absolvido. Câmara teria conhecimento dos planos de ruptura que estavam sendo elaborados em várias frentes e também teria sido responsável por um monitoramento de Alexandre de Moraes. Silvinei e Marília foram acusados de usar a estrutura da PRF para favorecer Bolsonaro nas eleições. Filipe Martins, por sua vez, foi o autor de uma minuta que previa a decretação de medidas extremas como a anulação das eleições e a prisão de autoridades após a derrota de Bolsonaro. Para os ministros, nenhum desses acontecimentos foi isolado ou obra do acaso. Estavam todos conectados. Ao todo, o Supremo puniu 29 pessoas por tentativa de golpe, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro, quatro de seus ex-­ministros, quatro ex-­assessores do governo, três generais e quinze militares de outras patentes. Somadas, as penas ultrapassam 500 anos de prisão.

Publicado em VEJA de 19 de dezembro de 2025, edição nº 2975

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