O Instituto Nacional de Assistência, Trabalho, Oportunidade e Saúde (INATOS), registrado em nome da aposentada Alice Maria Neves, de 72 anos, recebeu R$ 34,5 milhões em emendas parlamentares entre 2020 e 2024, segundo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) enviado à Polícia Federal por determinação do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF).
VEJA esteve no endereço da sócia, em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio. A idosa vive em uma casa simples e, segundo vizinhos, “não trabalha há anos”. Apesar disso, consta como única responsável pela ONG que aparece no centro das suspeitas de irregularidades na execução de emendas parlamentares.
O relatório — produzido em cumprimento à decisão da ADPF 854, que ordenou a ampliação da auditoria sobre ONGs citadas em desvios de recursos — avaliou um termo de fomento de R$ 19,2 milhões, destinado ao projeto Conexão Norte, no Amapá, equivalente a 56% do total recebido pela entidade.
Falta de comprovação
Os auditores da CGU concluíram pela “ausência de comprovação de capacidade operacional” da ONG para executar o projeto fora do Rio. Embora o estatuto e o CNAE do INATOS sejam compatíveis com o objeto do convênio, não há evidências de que a entidade tenha estrutura para atuar em outro estado.
A ONG declarou possuir duas sedes em Vila Isabel — uma administrativa, na Rua General Zenóbio da Costa, e outra social, na Rua Visconde de Santa Isabel. Técnicos da CGU realizaram visitas sem aviso prévio em 13 de agosto de 2025 e constataram que as instalações comportam apenas atividades administrativas e teóricas. Durante as diligências, a equipe foi informada da existência de um “escritório na Barra da Tijuca”, supostamente responsável por gerir projetos oriundos de emendas parlamentares, mas o endereço não foi informado.

Projeto de R$ 19 milhões no Amapá
O projeto Conexão Norte previa a criação de 81 núcleos esportivos em dez municípios do Amapá, com 8.000 beneficiários — entre crianças, adolescentes, adultos e idosos — em atividades como futebol, jiu-jitsu, capoeira, vôlei, dança, musculação e outras modalidades.
A ONG apresentou dois atestados de experiência prévia, ambos de projetos realizados no Rio de Janeiro — um voltado à qualificação profissional e outro para atividades de envelhecimento ativo. Os auditores consideraram os documentos de experiência prévia apresentados pela ONG insuficientes para atestar capacidade de execução remota de um programa de grande porte em outro estado.
Também foram identificadas dúvidas sobre os custos. As três empresas cotadas para frete eram sediadas no Rio e não informaram o local de coleta do material, fator que interfere diretamente no valor do serviço. As empresas contratadas para assessoria de monitoramento também são fluminenses, o que, segundo a CGU, “pode impactar a qualidade e elevar os custos”.
O documento registra ainda que o INATOS não respondeu ao ofício enviado pela CGU em 8 de setembro, com prazo até o dia 12, com explicações sobre a prestação de contas.
Outros convênios e ligações entre ONGS
VEJA apurou que o INATOS possui outros convênios ativos. Um de R$ 3 milhões através de emendas do deputado Carlos Jordy (PL-RJ) e R$ 6,5 milhões do deputado Juninho do Pneu (União-RJ) para projetos sem comprovação de execução.
O advogado Carlos Eduardo Gonçalves, conhecido como “Cady”, atua como representante jurídico do INATOS e é sócio da IPGIAS, outra ONG investigada pela CGU, o que reforça indícios de ligação entre as entidades.
Carlos Eduardo também representa a ONG Con-tato — atualmente rebatizada como CPASC —, que já foi alvo de investigação da Polícia Federal por desvio de emendas parlamentares. O esquema foi revelado a partir de interceptações telefônicas da família e de assessores dos irmãos Brazão, acusados de mandar matar a vereadora Marielle Franco.
Outra conexão entre o INATOS, a IPGIAS e a Con-tato é a servidora Samira Deodato, que se apresenta nas redes sociais como gerente da Con-tato, mas atua como gestora de convênios das três instituições.

O caso integra o conjunto de 57 auditorias que embasaram a decisão de Flávio Dino, divulgada na terça-feira, 11, para que a Polícia Federal investigue as entidades e a Advocacia-Geral da União busque a devolução dos valores desviados.