O Instituto Movimento, uma ONG de São Gonçalo, região metropolitana do Rio, recebeu 400 000 reais em emenda parlamentar para o projeto Dança e Ginga, voltado a oferecer aulas gratuitas de capoeira. O recurso, indicado pelo deputado federal Dimas Gadelha (PT-RJ), foi repassado pelo Ministério da Cultura. A reportagem de VEJA apurou, contudo, que a execução do contrato apresenta diversos problemas e há indícios de que a prática foi apenas parcialmente cumprida.
O plano de trabalho aprovado pelo Governo Federal previa uma estrutura robusta: 20 oficineiros, 20 monitores, 20 agentes mobilizadores, coordenadores, consultores e equipe de comunicação, responsáveis por formar 80 turmas de capoeira e atender até 640 alunos.
As metas incluíam ainda a confecção de 600 uniformes, material gráfico e ampla divulgação nas redes. O repasse foi integralmente quitado, mas não há relatórios de execução disponíveis na plataforma de transparência da União. Também não foi disponibilizado atestado de capacidade técnica, um dos pré-requisitos para o convênio.
Na prática, as entregas ficaram longe do prometido. As aulas , de acordo com o contrato, deveriam acontecer até o dia 2 de outubro. No entanto, a mulher que aparece nas divulgações das aulas como coordenadora do projeto, a mestre capoeirista Rosane “Kodak”, informou que não há mais oferta de cursos pelo convênio: “O projeto gratuito encerrou. Agora tem que pagar uma taxa. Aluno iniciante está 40 reais.”, disse a VEJA. “Tem que comprar o uniforme, mas é tudo barato. Calça tá 80, camisa 45. Aqui no meu polo as pessoas vão ficar pagando”.
Quando questionada sobre a continuidade das aulas, Kodak foi enfática: “Quem falou para você que vai dar tempo (de participar do projeto? Não vai dar mais tempo não. Eu fui lá hoje no instituto”.
A professora de capoeira relatou ainda que as atividades ocorreram em apenas cinco polos — Jockey, Colubandê, Arsenal, Mutuaguaçu e Neves. No contrato, no entanto, seriam 80 turmas com aulas gratuitas. Sendo assim, seria necessário que cada um deles tivesse 16 turmas. Na divulgação das aulas na internet, no entanto, encontramos apenas registros de atividades em dois dias da semana e apenas no horário noturno.
As datas do convênio expõem novas incongruências.. O planejamento educativo, essencial para capacitar oficineiros e monitores, só foi firmado em 1º de agosto, quando o projeto já estava em andamento. Já a contratação de três profissionais de mídia social, responsáveis por produzir conteúdo de divulgação e relatórios informando os resultados obtidas ocorre somente em 11 de setembro, quando as aulas já estavam no fim, segundo a professora.
No perfil do Instituto no Instagram, há apenas registros esporádicos de aulas de capoeira. Em muitos casos, os participantes aparentam ser praticantes experientes e usam camisetas da mestre Rosane “Kodak”, em vez de uniformes do programa financiado com recursos públicos.
Ligações políticas
O Instituto Movimento está diretamente ligado a Dimas Gadelha e ao vereador de São Gonçalo Isaac Souza da Silva, o Isaac Ricalde (PCdoB-RJ), apadrinhado político do deputado. A vinculação, diante da destinação da emenda parlamentar, fere o princípio da impessoalidade previsto na Constituição e a Lei de Improbidade Administrativa, que estabelece sanções para agentes que utilizam o cargo em benefício próprio ou de terceiros.
Até dois dias antes de sua diplomação como vereador, em dezembro de 2024, Ricalde figurava como presidente da insitutição. Em setembro de 2025, já no exercício do mandato, continuava assinando contratos como diretor executivo em documentos vinculados à emenda. Hoje, a presidência está no nome de Carlos Eduardo Ferreira das Chagas, seu subchefe de gabinete na Câmara de São Gonçalo.

Nas eleições municipais do ano passado, Dimas fez campanha declarada para Ricalde. Em 16 de julho de 2024, o vereador publicou nas redes sociais um vídeo em que se referia ao então candidato como “um dos melhores políticos da nossa cidade”.


A capoeirista Rosane também mantém vínculos com os dois políticos e afirma ser filiada ao PCdoB. Nas redes sociais, expõe a proximidade com Ricalde e com Dimas Gadelha. Nas últimas eleições municipais, pediu votos para ambos, quando Dimas disputou a prefeitura de São Gonçalo.

O que dizem os citados
Em nota, o gabinete de Dimas Gadelha afirmou que, em 2023, o mandato lançou um edital público de apoio a projetos sociais em São Gonçalo e que o Instituto Movimento foi selecionado após análise técnica e visitas in loco. O deputado destacou que, no momento da indicação da emenda, nenhum integrante da organização ocupava mandato público — um dos critérios do processo. “A seleção reforça nosso compromisso com a transparência e o apoio a iniciativas que transformam vidas”, diz o texto.
Também por meio de nota, o vereador Isaac Ricalde (PCdoB-RJ) declarou que se desligou da direção do Instituto Movimento em dezembro de 2024 e que, desde então, não assinou qualquer ato em nome da entidade. Ele ressaltou que sua relação atual limita-se à condição de sócio-fundador e ex-presidente. “Não procede a insinuação de vínculo político na destinação de emendas, tampouco de permanência minha na gestão da instituição”, afirmou.
O Instituto Movimento, por sua vez, reafirmou “compromisso com a transparência, a conformidade legal e a correta aplicação dos recursos públicos” e negou qualquer irregularidade no projeto Dança e Ginga. A entidade disse que Isaac Ricalde não exerce funções de direção desde o desligamento em 2024 e não assinou contratos em nome da organização após a saída. Sobre a execução do projeto, ressaltou que Rosane Kodak não é coordenadora, mas professora contratada, e que o Dança e Ginga segue em andamento. A vigência do convênio vai até abril de 2026, devido à prorrogação automática motivada por atraso no repasse dos recursos.
O Instituto também explicou que a ausência de relatórios finais na plataforma federal ocorre porque o projeto ainda não foi concluído. Afirmou ainda que só recebeu os recursos após comprovar capacidade técnica ao Ministério da Cultura e que a formalização tardia de contratos na plataforma reflete apenas trâmites administrativos, sem indicar irregularidade.