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Evento esvaziado na Paulista atrapalha Bolsonaro? E ajuda a esquerda?

O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores realizaram, no último domingo, 29, o ato político mais fraco que já fizeram na Avenida Paulista, na região central de São Paulo. Segundo estimativas, o evento chegou a contar com 12,4 mil pessoas no horário de pico, não conseguindo preencher nem mesmo toda uma faixa de um quarteirão da via.

Mas o que isso representa de fato para o bolsonarismo? E para a esquerda, há alguma mudança?

A reportagem ouviu cientistas políticos que responderam às mesmas questões. Confira abaixo o balanço que fizeram.

Rui Tavares Maluf – doutor em ciência política pela USP

O movimento do domingo foi muito fraco, muito abaixo do que, historicamente, o bolsonarismo vem conseguindo mobilizar. Já tinha sido mais fraco da penúltima vez, mas agora foi bem abaixo, com um discurso que não acrescenta em nada para além da base dele. Por outro lado, não podemos confundir uma eventual fadiga de mobilização nas ruas com a intenção de voto. Não é a mesma coisa. Bolsonaro tem um eleitorado cativo que pode ou não contribuir para um candidato de direita que eventualmente ele venha apoiar ou atrapalhar, caso o ex-presidente não apoie ninguém ou se a direita se dividir em vários candidatos. Rua não é a mesma coisa que urna.

Acho que a esquerda não conseguiria colocar mais pessoas na rua. Ela está muito desgastada. E o melhor exemplo são os dois últimos atos de 1º de Maio [Dia Internacional do Trabalhador]. Neste ano, nem apareceu. E o do ano passado foi um fiasco. O bolsonarismo é o acontecimento mais recente da política brasileira, a extrema direita é o fenômeno político mais recente, quando comparado com a esquerda, que chegou ao poder já no início dos anos 2000. De certa forma, a bola está com eles [os bolsonaristas].

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Não há uma relação direta entre a fraqueza do ato com um fortalecimento de Lula. O governo vem passando por apuros também, por sua própria responsabilidade. Tanto esse eleitorado mais fiel à direita quanto o mais fiel à esquerda não são capazes, sozinhos, de fazer verão.

Deysi Cioccari – doutora em ciência política pela PUC-SP

O bolsonarismo vive, hoje, uma fase de esvaziamento simbólico e organizacional, mas ainda não pode ser considerado politicamente irrelevante. O evento teve, sim, uma baixa adesão popular e ausência de figuras centrais da direita institucional, e isso sinaliza uma erosão na capacidade de mobilização de Jair Bolsonaro — especialmente após a confirmação de sua inelegibilidade. Mas o populismo de direita não desaparece com a derrota eleitoral ou com a desmobilização de um líder, porque suas bases permanecem latentes, alimentadas por um sentimento difuso de antipetismo, anti-elitismo e rejeição ao sistema político.

As explicações apresentadas pelos bolsonaristas para o esvaziamento — como o frio, a desmobilização espontânea ou até o argumento de que o evento não tinha caráter eleitoral — funcionam mais como justificativas internas do grupo do que como interpretações amplamente aceitas fora dele. Movimentos populistas constroem uma narrativa performática, em que o carisma do líder e os símbolos de força são fundamentais. Quando a performance falha — como num ato com baixa adesão —, existe um esforço imediato para reinterpretar o fracasso e preservar a mística do líder. Há motivos mais estruturais por trás do esvaziamento: a inelegibilidade de Bolsonaro, a fragmentação interna da direita e a falta de um novo horizonte mobilizador concreto. Quando o projeto político se torna mais reativo do que propositivo, ele perde potência simbólica. Isso é fato. E parece estar acontecendo com o bolsonarismo.

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Para o governo, o esvaziamento do bolsonarismo ajuda a despressurizar o ambiente institucional, mas não necessariamente representa fortalecimento político. A aprovação de pautas depende mais da capacidade de articulação e entrega do Executivo do que da fraqueza da oposição. A governabilidade depende de construção ativa de maioria — e isso o governo ainda está longe de dominar plenamente.

Quanto à provocação feita aos setores de esquerda — desafiando-os a colocar mais gente nas ruas —, ela revela um duplo reconhecimento: o de que a rua ainda importa simbolicamente e o de que a esquerda também sofre hoje com dificuldades de mobilização popular. Em parte, isso se deve ao fato de o governo Lula operar numa lógica mais institucional do que mobilizadora. Mudou muito. Populismos se alimentam de uma conexão emocional direta com as massas, o que está ausente tanto no lulismo atual quanto nas tentativas recentes da esquerda de ativar a rua. Muito ausente.  Ou seja: nem a direita conseguiu manter seu poder de mobilização, nem a esquerda tem, hoje, esse capital disponível. Estamos diante de um cenário de desmobilização mais geral, onde a política migra para os bastidores, para o Congresso e para a negociação institucional, deixando o imaginário das grandes ruas esvaziado, pelo menos por ora.

Paulo Niccoli Ramirez – doutor em ciências sociais pela PUC-SP e professor de política da ESPM e da Fespsp

O grande problema dessa manifestação foi uma falha da articulação política. Os bolsonaristas haviam previsto que a derrota do governo Lula, em relação ao IOF no Congresso, teria sido um sucesso [para eles]. Quando, na verdade, o efeito foi totalmente contrário e negativo. Nos meios de comunicação tradicionais e redes sociais, vimos uma série de contestações sobre o fato de o Congresso, na mesma semana, restringir o aumento do IOF, que era proposto pelo governo, não apresentar nenhuma contrapartida e, ao mesmo tempo, aprova-se no Senado a elevação do número de deputados federais, de 513 para 531, o que representa mais gastos e mais déficit ao governo.

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A medida em que essa postura do Congresso ficou clara, tomada pelo Centrão e pelos bolsonaristas, apenas para privilegiar os mais ricos, que são a minoria, esse assunto tocou no bolso da maioria dos brasileiros, sejam eles de direita ou de esquerda, mas principalmente a classe média e os mais pobres, ainda que com pensamento conservador. Então ficou a ideia de que não foi uma vitória contra o governo, mas de um grupo específico, das elites brasileiras. E, de alguma forma, isso teve impacto na manifestação do domingo na Paulista, resultando em seu esvaziamento. Essa construção de uma articulação entre uma vitória no Congresso e a manifestação do domingo foi um verdadeiro fracasso. Quando o brasileiro se manifesta politicamente, o que pesa é o bolso. Então, de nada adianta lutar a favor de Bolsonaro se não houver alguma proposta efetiva de Bolsonaro à sociedade.

Sobre o desafio da direita à esquerda, de colocar mais pessoas na rua, o que o PT começa a fazer é tentar imitar o que o Gustavo Petro fez na Colômbia. Assim como no Brasil, o Petro não tem maioria no Congresso, mas fez campanhas publicas, manifestações nas ruas, grande articulação nas redes sociais, para fazer reformas trabalhistas e mudar a política fiscal. A esquerda no Brasil tem, mais ou menos, tentado começar a seguir esse modelo, já que, mesmo em um cenário de desvantagem, pautas que são caras, literalmente, economicamente, à população, acabam ganhando mais adesão, independentemente de as pessoas serem a favor ou contra a esquerda. Me parece que essa será a estratégia do PT até as eleições. Se uma manifestação [de esquerda, em resposta ao desafio] não for para o Lula, mas a favor de uma reforma tributária, fiscal, que coloque um maior peso de pagamento de impostos sobre os mais ricos, isso terá uma maior adesão da sociedade, senão nas ruas, nas redes sociais, como já está acontecendo.

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