Junho de 2025 deve entrar para a lista dos mais quentes da história da Europa. A primeira grande onda de calor do ano provocou recordes de temperatura em diversos países, do círculo polar ártico até o sul do continente, reflexo direto do agravamento da crise climática, segundo especialistas.
Em Portugal, os termômetros marcaram 46,6 °C na cidade de Mora, no dia 29, o maior valor já registrado no país para o mês de junho.
Na Noruega, a estação de Banak atingiu 32,5 °C, a temperatura mais alta já registrada dentro do Ártico europeu neste período do ano.
As altas temperaturas levaram governos a emitirem alertas de saúde, suspenderem aulas e imporem restrições ao trabalho ao ar livre.
Na França, Paris registrou 40 °C na terça-feira (1º), enquanto diversas regiões foram colocadas em alerta vermelho pela agência meteorológica nacional.
Mais de 1.300 escolas foram parcial ou totalmente fechadas, e o topo da Torre Eiffel teve o acesso suspenso até quinta-feira devido ao calor.
A ministra da Ecologia, Agnès Pannier-Runacher, informou que junho de 2025 já é o segundo mais quente desde 1900, atrás apenas de junho de 2003. Segundo o serviço meteorológico Météo-France, o dia 30 foi o mais quente já registrado no país desde o início das medições, em 1947.
Mais de 300 pessoas foram atendidas em emergências por causas relacionadas ao calor, e pelo menos duas mortes foram confirmadas.

Na Espanha, o mês de junho foi descrito como “extremamente quente” pela agência meteorológica Aemet.
O país registrou média de 23,6 °C, a mais alta para junho em 64 anos, 0,8 °C acima do recorde anterior, de 2017. Nove dias do mês quebraram recordes históricos para as respectivas datas.
Em um cenário climático estável, esse tipo de ocorrência deveria acontecer apenas cinco vezes ao longo de um ano inteiro, segundo a Aemet.
“Essa onda de calor muito intensa está claramente ligada ao aquecimento global”, afirmou Ramón Pascual, da Aemet em Barcelona.
Ele destacou que as altas temperaturas da superfície do mar no Mediterrâneo também contribuem para reduzir o resfriamento natural esperado próximo à costa.
Segundo Samantha Burgess, vice-diretora do Centro Europeu de Previsão de Médio Prazo (ECMWF), milhões de europeus estão sendo expostos a níveis altamente perigosos de estresse térmico.
“Os dados mostram que muitas regiões da Europa enfrentaram temperaturas anormalmente altas desde o início de junho. Esses valores são típicos de julho e agosto, e normalmente ocorrem apenas algumas vezes por verão”, afirma.
Ela alerta ainda que ondas de calor como a atual têm se tornado mais frequentes, intensas e abrangentes com o avanço das mudanças climáticas.
O Reino Unido também foi afetado pela onda de calor. Na terça-feira (1º), Londres registrou 34,7 °C no parque St. James. o dia mais quente do ano até agora.
Segundo dados preliminares do Met Office, o país teve o segundo junho mais quente desde 1884, com média de 15,2 °C, atrás apenas de 2023 (15,8 °C).
O mês quente sucede uma primavera considerada oficialmente a mais quente e ensolarada já registrada no país.

O que está causando essa onda de calor?
Meteorologistas explicam que a onda de calor é causada por um fenômeno conhecido como “cúpula de calor”, uma área de alta pressão que permanece estacionada por dias ou até semanas sobre determinada região, prendendo o ar quente e impedindo sua dissipação, como uma tampa sobre uma panela.
A atual cúpula começou no oeste europeu, cobrindo Espanha, Portugal e França, e se estendeu até a Alemanha e a Itália.
Segundo o serviço Météo-France, a chegada de frentes frias e tempestades a partir de quarta-feira (3) deve aliviar parcialmente as temperaturas em parte da Europa Ocidental.
No entanto, Espanha e Itália podem ter de esperar até o fim de semana para sentirem o refresco.
Europa: o continente que mais aquece no mundo
A Europa está aquecendo a um ritmo alarmante, mais que o dobro da média global. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM) e o serviço europeu Copernicus, a temperatura média no continente aumentou cerca de 2,3 °C desde a era pré-industrial, enquanto a média mundial gira em torno de 1,2 °C.
O fenômeno não é novo, mas tem se intensificado nos últimos anos, com ondas de calor cada vez mais frequentes, longas e intensas.
Apenas entre 2022 e 2024, milhares de mortes foram atribuídas ao estresse térmico na Europa, com destaque para o verão de 2022, quando mais de 68 000 pessoas morreram em consequência direta do calor, segundo estudo publicado na Nature Medicine.
Há múltiplas causas para esse superaquecimento europeu. A primeira delas é geográfica: o continente está próximo ao Ártico, região do planeta que aquece mais rapidamente devido à perda de gelo e à diminuição da capacidade de refletir a luz solar.
Com menos gelo e neve, a superfície terrestre absorve mais calor, o que intensifica ainda mais o aquecimento.
Além disso, o mar Mediterrâneo tem se comportado como um verdadeiro “ponto quente” do aquecimento global: suas águas estão entre as que mais se aquecem no planeta, elevando a temperatura das áreas costeiras e reduzindo a capacidade de resfriamento natural do litoral europeu.
Outro fator relevante é a redução na emissão de poluentes atmosféricos do tipo aerossol, partículas microscópicas que bloqueiam parte da radiação solar.
Com o avanço das políticas ambientais e da transição energética, a Europa reduziu significativamente esse tipo de poluição, o que é positivo para a saúde pública, mas tem como efeito colateral o aumento do aquecimento visível.
Em regiões como o centro da França, a Alemanha e o norte da Itália, esse fenômeno é particularmente evidente. Somam-se a isso as características urbanas das grandes cidades europeias: construções densas, asfaltamento e falta de vegetação criam ilhas de calor que agravam os impactos.
As regiões mais afetadas pelo calor extremo são o sul e o sudeste europeu, em especial Espanha, Portugal, Itália, Grécia e os Bálcãs.
Essas áreas vêm sofrendo com ondas de calor cada vez mais severas, incêndios florestais de grandes proporções e secas prolongadas que ameaçam a agricultura, os recursos hídricos e a estabilidade energética.

Em 2023, por exemplo, a Grécia enfrentou mais de 15 ondas de calor em um único verão, com temperaturas superiores a 45 °C e evacuação de milhares de pessoas devido a incêndios.
O governo grego já reconhece que o país deve enfrentar entre 15 e 20 ondas de calor por ano até meados do século.
Mas o superaquecimento também afeta regiões do norte e centro da Europa.
Países como Suécia, Noruega, Finlândia, Suíça e Áustria estão entre os que mais aquecem no continente, muitos deles acima de 0,5 °C por década.
O derretimento acelerado das geleiras alpinas preocupa autoridades ambientais, e os verões cada vez mais quentes nessas regiões, antes consideradas amenas, desafiam a infraestrutura urbana e os sistemas de saúde.
De forma geral, a população urbana, os idosos, os trabalhadores expostos ao sol e os grupos em situação de vulnerabilidade social são os mais afetados.
O acesso desigual ao ar-condicionado, à sombra e à assistência médica durante episódios extremos de calor agrava a crise.
Segundo o Centro Europeu de Previsão de Médio Prazo, milhões de europeus já vivem sob estresse térmico crônico, e os riscos à saúde pública tendem a aumentar.
A conclusão dos cientistas é clara: a Europa é o continente que mais rapidamente experimenta os efeitos do aquecimento global.