O Catar, um dos principais mediadores do conflito Israel-Hamas, contradisse autoridades dos Estados Unidos nesta terça-feira, 8, ao informar que não houve “nenhum avanço até o momento” nas conversas sobre um cessar-fogo em Gaza, e que as negociações “precisam de tempo. Já Steve Witkoff, enviado especial de Donald Trump para o Oriente Médio, declarou que uma trégua poderia ser alcançada “até o fim desta semana”, enquanto o presidente americano espera poder anunciar um acordo ainda durante a visita do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que chegou a Washington na segunda-feira 7.
A nova rodada de negociações indiretas entre Israel e Hamas começou no domingo 6, após ambos os lados aceitarem um esboço amplo de um acordo, proposto pelos Estados Unidos, para um cessar-fogo inicial de sessenta dias, que poderia levar ao fim permanente do conflito que se arrasta há 21 meses.
“Não acho que possa dar um prazo no momento, mas posso dizer desde já que precisaremos de tempo para isso”, disse Majed al-Ansari, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Catar, na terça-feira, terceiro dia de negociações em Doha. “O que está acontecendo agora é que ambas as delegações estão em Doha. Estamos conversando com elas separadamente sobre uma estrutura para as negociações. Portanto, as negociações ainda não começaram, mas estamos conversando com ambas as partes sobre essa estrutura.”
Uma autoridade palestina familiarizada com as negociações afirmou à agência de notícias Reuters que “nenhum avanço foi alcançado até o momento”.
Proposta de trégua
A atual proposta de cessar-fogo prevê a libertação gradual de 28 reféns ainda em posse do Hamas, em troca de palestinos detidos em Israel, a retirada de soldados israelenses de partes de Gaza tomadas nos últimos meses, um aumento considerável da entrada de ajuda humanitária no enclave e, assim que a pausa nas hostilidades for implementada, o início das discussões sobre o fim da guerra.
O Hamas, porém, quer garantias críveis de que Israel não voltará com a ofensiva após a pausa de sessenta dias. Um cessar-fogo anterior fracassou em março, quando Netanyahu decidiu não seguir para a segunda fase do acordo, que previa a abertura de negociações para encerrar o conflito de forma permanente, e voltou com os bombardeios e operações terrestres.
Tel Aviv diz que só vai interromper a ação militar quando o grupo terrorista se desarmar completamente e deixar o governo de Gaza – ao que o Hamas resiste, argumentando que isso permitiria uma reocupação do território palestino pelos israelenses, ao modo da Cisjordânia.
Postura dos EUA
Durante uma reunião de gabinete na Casa Branca nesta terça-feira, Witkoff afirmou que um acordo para um cessar-fogo temporário em Gaza pode ser finalizado até o final da semana. Ele acrescentou que as negociações em Doha reduziram as questões pendentes de “quatro para uma”.
“Estamos esperançosos de que, até o final desta semana, teremos um acordo que nos levará a um cessar-fogo de 60 dias”, disse Witkoff. “Dez reféns vivos serão libertados. Nove mortos serão libertados.”
Autoridades israelenses também expressaram otimismo. Ze’ev Elkin, membro do gabinete de segurança de Israel, disse que havia “uma chance substancial” de um cessar-fogo ser alcançado. “O Hamas quer mudar algumas questões centrais; não é simples, mas há progresso”, disse ele à emissora pública israelense Kan.
Trump deve se reunir com Netanyahu novamente nesta terça para discutir Gaza “quase exclusivamente”, descrevendo a situação como “uma tragédia”. Aproveitou para afirmar ainda que o primeiro-ministro de Israel foi “tratado de forma muito injusta” devido ao seu julgamento por corrupção – que já havia pedido anteriormente para ser cancelado por se tratar de uma “caça às bruxas”.
“Ele foi tratado de forma muito injusta. Acho que o que fizeram com ele em Israel é muito injusto. No que diz respeito a este julgamento, ele é um primeiro-ministro em tempo de guerra, teve um desfecho inacreditável, e acho que ele foi tratado de forma muito injusta”, disse Trump sobre Bibi.
Ameaça de deslocamento
Enquanto isso, no centro de Gaza, ataques israelenses atingiram um grupo de pessoas, matando dez e ferindo 72, de acordo com um comunicado do hospital al-Awda em Nuseirat. As Forças de Defesa de Israel (IDF) acusam o Hamas de usar civis como escudos humanos, o que o grupo terrorista palestino nega.
As IDF também emitiram novas ordens de retirada para bairros de Khan Younis, deslocando milhares de pessoas antes de novos ataques israelenses na região.
Na segunda-feira, Israel Katz, ministro da Defesa israelense, apresentou planos para forçar todos os palestinos em Gaza a se alojarem em um campo de refugiados nas ruínas de Rafah, um esquema que especialistas descreveram como “um ABC para crimes contra a humanidade”.
Ele ordenou que as IDF se preparassem para montar o que chamou de “cidade humanitária” na cidade destruída, afirmando que os militares controlariam o perímetro do local e inicialmente “moveriam” 600 mil palestinos para a área – a maioria pessoas atualmente deslocadas na região de Al-Mawasi, na costa sul. Eventualmente, toda a população de Gaza seria alojada lá, e Israel então implementaria “o plano de emigração”, disse Katz, segundo o jornal Haaretz.
Analistas avaliam que o projeto superlativo e ameaçador serve para obter vantagem nas nas negociações de cessar-fogo. No entanto, se for um plano oficial, mascara com “humanitarismo” uma manobra para realizar o deslocamento forçado de um povo para, então, expulsá-lo de suas terras – considerado um crime contra a humanidade e um crime de guerra pelo direito internacional.
A guerra foi desencadeada por um ataque liderado pelo Hamas ao sul de Israel em outubro de 2023, no qual militantes mataram 1.200 pessoas, a maioria civis, e sequestraram 250. A ação militar israelense subsequente já matou mais de 57 mil palestinos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, reduziu o território a escombros e mergulhou sua população em uma grave crise humanitária.