O enviado especial dos Estados Unidos para o Oriente Médio, Steve Witkoff, anunciou nesta quinta-feira, 24, que Washington está interrompendo negociações de cessar-fogo em Gaza e retirando sua equipe de negociação do Catar para consultas, acusando o Hamas de não “agir de boa-fé”. Em paralelo, o gabinete do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, também confirmou a retirada de seus negociadores.
“Decidimos trazer nossa equipe de volta de Doha para consultas após a última resposta do Hamas, que mostra claramente uma falta de vontade de chegar a um cessar-fogo em Gaza”, postou Witkoff nas redes sociais. “Embora os mediadores tenham feito um grande esforço, o Hamas não parece estar coordenado ou agindo de boa-fé.”
Em seguida, Witkoff disse ainda que Washington agora “considerará opções alternativas” para levar os reféns remanescentes de volta para casa. Ele não esclareceu quais seriam as opções.
Apesar de mediações entre representantes israelenses e do Hamas há mais de duas semanas, negociações indiretas até o momento não resultaram em trégua. Na quarta-feira, o Hamas apresentou sua resposta sobre a mais recente proposta de cessar-fogo, mas o gabinete de Netanyahu informou que os negociadores israelenses estavam sendo chamados de volta para consultas.
Dos 251 reféns feitos durante o ataque do Hamas a Israel em outubro de 2023, que desencadeou a guerra, 49 ainda estão detidos em Gaza, incluindo 27 que, segundo o Exército israelense, estão mortos.
Segundo fontes ouvidas pela agência de notícias francesa AFP, a resposta do Hamas incluía propostas de emendas às cláusulas sobre a entrada de ajuda, mapas das áreas das quais o Exército israelense deveria se retirar e garantias para o fim permanente da guerra.
Outra fonte palestina, ouvida pela Reuters, afirmou que o Hamas rejeitou os mapas de retirada propostos por Israel, pois eles deixariam cerca de 40% do território sob controle israelense, incluindo toda a área sul de Rafah e outros territórios no norte e leste de Gaza. Outras duas fontes israelenses confirmaram que o Hamas quer que Israel recue para as linhas que manteve em um cessar-fogo anterior, antes de retomar sua ofensiva em março.
Pressão internacional
O revés nas negociações se dá em meio à crescente pressão internacional sobre a crise humanitária em Gaza. Em reunião em Bruxelas na quarta-feira, 23, representantes de diversos países da União Europeia pediram “medidas concretas” do bloco sobre a situação.
No início desta semana, 25 países, incluindo Estados-membros da União Europeia, assinaram uma declaração conjunta demandando o fim da guerra em Gaza. O documento foi assinado por ministros das Relações Exteriores da Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido, além da Comissária da União Europeia (UE) para a Igualdade, Preparação e Gestão de Crises.
Eles também instaram Israel a “cumprir suas obrigações sob o Direito Internacional Humanitário” e apelaram para que “suspenda imediatamente as restrições ao fluxo de ajuda e permita urgentemente que a ONU e as ONGs humanitárias façam seu trabalho de salvar vidas com segurança e eficácia”. No momento, apenas a Fundação Humanitária de Gaza, apoiada pelos Estados Unidos e Israel, atua em Gaza. O grupo privado é criticado pelas Nações Unidas pela sua ineficácia e por usar seguranças armados.
Mais de 100 grupos humanitários e de direitos humanos lançaram um alerta na quarta-feira, 23, para a “fome em massa” que se alastra por toda a Faixa de Gaza, responsabilizando Israel pela crise no enclave. As ONGs apelaram que governos em todo o planeta tomem medidas urgentes, exigindo, inclusive, um cessar-fogo imediato e permanente e o fim de todas as restrições à ajuda humanitária que ainda afetam o território palestino.
+ Mais de 100 ONGs alertam para ‘fome em massa’ provocada por Israel em Gaza
Em um comunicado assinado e divulgado na quarta-feira por 109 organizações, incluindo Mercy Corps, Anistia Internacional, ActionAid, Conselho Norueguês para Refugiados e os Médicos Sem Fronteiras (MSF), os grupos alertaram que a fome crescente da população está se espalhando por toda extensão do enclave sitiado.
Toneladas de alimentos, água potável, medicamentos e outros suprimentos permanecem intocados nos arredores de Gaza. Israel impediu que organizações humanitárias de acessarem e entregarem os itens, disse a carta.
Distribuição falha
Após o fracasso das negociações para estender o último cessar-fogo na guerra Israel-Hamas, o Exército israelense impôs um bloqueio total a Gaza em 2 de março, não permitindo a entrada de alimentos, medicamentos, combustível ou água. Segundo Tel Aviv, o grupo palestino estava interceptando os suprimentos destinados à população. Caminhões foram novamente autorizados a levar ajuda humanitária, aos poucos, no final de maio.
No entanto, a operação só retornou sob o comando da Fundação Humanitária de Gaza (GHF), uma empresa privada administrada pelos Estados Unidos e Israel que substituiu as Nações Unidas no fornecimento de ajuda humanitária. Segundo Tel Aviv, a troca foi necessária porque a UNRWA, principal agência da ONU no enclave palestino, estaria em conluio com o Hamas. (Após uma investigação interna, a UNRWA demitiu nove de seus 13 mil funcionários sob suspeita de envolvimento no ataque a comunidades israelenses em outubro de 2023, que desencadeou a guerra, mas não encontrou evidências das alegações mais amplas de Israel.)
Desde que a operação da GHF foi montada no final de maio, mais de 1.000 pessoas famintas foram mortas tentando obter alimentos em centros de distribuição, a maioria alvejada por soldados israelenses. A empresa vem recebendo cada vez mais críticas devido aos seus métodos de entrega – em um número limitado de locais fortemente militarizados. A GHF administra apenas quatro locais para alimentar 2 milhões de pessoas. Antes, a UNRWA sustentava mais de 400 pontos de distribuição de ajuda. As Nações Unidas, no final de junho, condenaram a “transformação de alimentos em armas” por Israel na Faixa de Gaza, o que definiu como um “crime de guerra”.
Nesta quarta, as ONGs também apelaram que líderes mundiais exijam o levantamento de todas as restrições burocráticas e administrativas à distribuição de ajuda humanitária em Gaza, bem como a reabertura de todas as travessias terrestres nas fronteiras do enclave, a garantia de acesso a qualquer pessoa, a rejeição da operação humanitária controlada por militares e o restabelecimento de uma “resposta humanitária baseada em princípios e liderada pelas Nações Unidas”. Para isso, defendeu que Estados devem interromper a transferência de armas e munições a Israel, como forma de fazer pressão pela interrupção do cerco.