Em meio às turbulências na esfera internacional, talvez tenha passado despercebida a entrada em vigor da Lei Combustível do Futuro. O Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, veio a público defender entusiasticamente a medida (link). Segundo ele, o consumidor de gasolina estaria menos sujeito à instabilidade de preços, dado que o etanol é integralmente produzido no Brasil. Além disso, como o preço do etanol é mais baixo que o da gasolina pura, a medida iria reduzir o preço ao consumidor final. Só se for por mágica.
É óbvio que, se o litro de etanol custa menos do que o de gasolina, uma mistura de etanol com gasolina vai custar menos do que a gasolina pura (e mais do que o etanol puro). Mas não é esse o preço relevante para um motorista. Para aqueles que possuem automóveis com a tecnologia flex-fuel e, portanto, podem escolher entre os dois combustíveis, o preço relevante não é o do litro de combustível, mas o do quilômetro percorrido. Como um automóvel flex-fuel, quando abastecido com etanol, percorre aproximadamente 70% do que percorreria se abastecido com gasolina, o preço do etanol tem de ser menor do que 70% do preço da gasolina para que o quilômetro rodado com etanol seja, de fato, mais barato.
E o que acontece se misturamos mais etanol na gasolina? Vamos ter de colocar mais combustível, em litros, para percorrer a mesma quantidade de quilômetros. Não, o preço ao consumidor final não vai cair. Ao contrário, vai subir. E o motivo, detalhado à frente, é porque consumiremos mais etanol em regiões em que não é eficiente consumir etanol e, paradoxalmente, mais gasolina em regiões em que é mais eficiente consumir etanol.
As condições logísticas, dadas pelos locais de produção de etanol e de derivados de petróleo e as vias e meios de transporte de combustíveis, fazem com que o preço relativo entre gasolina e etanol varie conforme a região do país e isso afeta várias das características da demanda por etanol, como já demonstrado em artigo de Orellano e outros. No Ceará e no Rio Grande do Sul, o preço do etanol quase invariavelmente situa-se acima de 70% do preço da gasolina sem mistura de etanol. Em contrapartida, em São Paulo e Goiás, grandes produtores de etanol, o preço deste situa-se quase sempre abaixo dos mesmos 70%. Assim, paulistas e goianos, desde que proprietários de automóveis flex-fuel, vão tender a consumir etanol; e cearenses e gaúchos tendem a consumidor mais gasolina. Esta é, simplesmente, a escolha mais eficiente.
Ao obrigarmos o gaúcho a consumir no mínimo 30% de etanol, mesmo ele optando pela gasolina, estaremos, como sociedade, incorrendo no ônus de pagar pelo custo de transporte desse etanol, que deixará de ser consumido ao lado da usina, em São Paulo, o que, em última análise, vai levar a um aumento do preço do etanol em São Paulo. Afinal, se um determinado litro de etanol for consumido no Ceará, ele deixará de ser consumido, por exemplo, em Goiás. Em grande síntese, nós cidadãos pagaremos mais caro pelo combustível (e não mais barato, como disse o ministro), além de eventuais prejuízos no uso de uma mistura em níveis para os quais nossos automóveis não foram regulados.
Se você possui um automóvel flex-fuel, o que prefere: escolher que combustível, ou mistura de combustíveis, utilizar ou deixar a decisão para uma portaria do Ministério da Energia? No final das contas, o Etanol 30 é o fix, não o flex. Somos todos obrigados a utilizar no mínimo 30% de etanol, em qualquer região do Brasil, independentemente dos preços relativos entre gasolina e etanol.
Não possui um automóvel flex-fuel? Tanto pior. O seu automóvel não está adaptado para consumidor gasolina com alta mistura de etanol. Ah, a gasolina premium não terá 30% de etanol. Terá 25%. Grande consolo.
Isso não significa que o etanol não seja um dos combustíveis do futuro e, como tal, mereça tratamento especial. O etanol de cana-de-açúcar, quando comparado à gasolina, é maravilhoso em múltiplas dimensões. É renovável e tem um balanço energético invejável, resultando liquidamente em redução de emissão de gases de efeito estufa. Em outras palavras, enquanto a gasolina emite carbono na atmosfera, o etanol captura, e, por seus efeitos benéficos ao meio ambiente, merece um tratamento diferenciado.
O problema é que a Etanol 30 (ou seja, o fix) é uma má política de transição energética. Dado o funcionamento do mercado de combustíveis, com cerca de 80% da frota de automóveis flex-fuel, seria melhor usar impostos indiretos que afetem o preço relativo entre gasolina e etanol e, por essa via, estimulem o consumo de etanol. A Cide já tem esse papel, mas poderia ser ajustada na intensidade que nós, como sociedade, quisermos. Seria possível obter, por mecanismos de mercado, o mesmo aumento do consumo de etanol que ambiciona a Lei do Combustível do Futuro, sem incorrer nos custos logísticos de levar etanol a regiões em que ele é menos viável. Sim, podemos ter uma política de transição energética mais inteligente e eficiente do ponto de vista econômico. Mas, infelizmente, este não é o caso do Etanol 30.