Na última semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei que proíbe o uso de animais em testes para produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes. A medida foi celebrada por ativistas dos direitos dos animais e também por cientistas, como a formalização de uma prática já consolidada.
Hoje, já se conhece uma ampla gama de ingredientes cosméticos considerados seguros, com dados acumulados ao longo de décadas de pesquisas. A partir dessas informações, é possível criar inúmeras combinações e inovações sem a necessidade de testar cada nova fórmula em animais. O desenvolvimento de métodos alternativos, como modelos de pele artificial, também contribui para tornar os testes mais éticos, precisos e relevantes para o organismo humano.
A nova legislação, portanto, não impede a inovação. Ela valoriza práticas que já são adotadas por diversas instituições de pesquisa e empresas brasileiras.
O papel da ciência brasileira na inovação cosmética
Em nosso Laboratório de Macromoléculas & Nanopartículas da PUC-Rio, o MN Lab, temos desenvolvido pesquisas voltadas à criação de formulações cosméticas sustentáveis, com destaque para produtos waterless – ou seja, que contém menos água. Essa é uma das grandes tendências da indústria cosmética global e responde a uma preocupação crescente com o impacto ambiental dos produtos de uso cotidiano.
Um exemplo desse esforço é o depósito recente de uma patente sobre uma emulsão concentrada voltada ao setor de cosméticos capilares. Esse tipo de formulação, desenvolvida durante o doutorado de Gabriela Fonseca, pode ser diluído pelo próprio consumidor final, conforme a necessidade. O resultado são produtos mais compactos, que reduzem a queima de combustíveis para transporte e o uso de embalagens.
A concentração permite a performance dos produtos mesmo após a diluição pelo consumidor em casa. Além de sustentável, o consumidor ainda ganha liberdade para ajustar a textura desejada e o modo de uso do cosmético.
Nanopartículas aplicadas à beleza
Entre os avanços mais promissores está o uso de nanotecnologia para encapsular compostos de interesse e liberá-los de maneira controlada. Em um de nossos estudos mais recentes, no doutorado de Matheus Ouverney, desenvolvemos nanopartículas capazes de incorporar ativos oleosos e manter sua fluidez, com viscosidade semelhante à da água.
Isso permite que a mistura seja usada em sprays ou até em novos formatos inovadores, com alta estabilidade. O principal desafio aqui é que conseguimos esse resultado usando materiais comercialmente acessíveis, que podem ser aplicados em larga escala.
Fotoproteção para todos
Na dissertação de Danielle Borher, estudamos formulações de fotoprotetores. Nosso trabalho avaliou como diferentes tipos de emolientes influenciam propriedades físico-químicas e sensoriais, comparando amostras com e sem filtros solares orgânicos. A pesquisa permitiu criar estratégias mais precisas para uma escolha melhor desses componentes.
O resultado é maior previsibilidade e controle das propriedades do produto conforme desejado. Isso permitirá, por exemplo, a formulação de produtos para aqueles que mais precisam, como os trabalhadores que passam o dia todo expostos ao sol. É necessário o desenvolvimento de fotoprotetores mais baratos e com textura agradável para garantir que eles se protejam adequadamente.
Cosméticos e medicamentos: caminhos cruzados
Vale lembrar que a nova lei não proíbe o uso de animais em pesquisas com medicamentos, o que ainda é necessário para avaliar a segurança e a eficácia de compostos novos. Mas isso não significa que as pesquisas com fármacos estejam desconectadas do universo cosmético.
É comum que ingredientes inicialmente investigados para uso farmacêutico revelem propriedades interessantes para a formulação de cosméticos. E, como já foram exaustivamente estudados em relação à segurança, podem ser aproveitados com mais agilidade. Ou seja, mesmo onde ainda há uso de animais, os dados gerados beneficiam indiretamente outros setores, que agora buscam minimizar os impactos éticos e ambientais de suas inovações.
O futuro dos cosméticos está na bancada do laboratório
Portanto, a proibição dos testes em animais para cosméticos é uma consequência do avanço da ciência e da crescente preocupação com o bem-estar animal e a sustentabilidade. Graças a anos de pesquisas, hoje temos ferramentas para desenvolver produtos mais eficazes e responsáveis. E isso inclui soluções que já estão sendo gestadas em nossos laboratórios brasileiros, com apoios essenciais de agências de fomento, como a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além de parcerias com diversas empresas. Na era dos cosméticos inteligentes e mais ecológicos, o papel da ciência é central.
*Ana Percebom, Professora e pesquisadora, Departamento de Química, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)