Não é de hoje que os cientistas investigam até que ponto o estresse aumenta a propensão ao câncer. Embora haja evidências desse efeito confirmadas em experimentos com animais e em estudos epidemiológicos com seres humanos, ainda existem peças nebulosas no quebra-cabeça. Agora, uma nova pesquisa joga luz sobre a influência do estado psicológico em um grupo específico de pessoas. Ao que tudo indica, o estresse pode contribuir para a doença quando já existe uma maior tendência genética a ela.
O trabalho, conduzido por um time da Universidade de Brighton, no Reino Unido, mirou especialmente mulheres e homens com uma mutação nos genes BRCA1 e BRCA2, que aumenta o risco de desenvolver câncer de mama ou próstata. Foram analisadas amostras biológicas de 62 pacientes femininos e 70 masculinos acompanhados pelos médicos ao longo dos anos.
Quando se avaliou a influência do estresse, materializada pelo aumento dos níveis de cortisol (o “hormônio do estresse”), observou-se que a substância interfere em mecanismos de proteção e regulação das células da mama e da próstata, como o reparo do DNA.
“Essas descobertas demonstram que o estresse, por meio da indução de danos ao DNA pelo cortisol, pode elevar o risco cumulativo de câncer em portadores de mutação BRCA”, concluíram os autores do estudo, publicado no British Journal of Cancer.
“A pesquisa sugere uma ligação entre o estresse crônico e o aumento do risco de câncer em pessoas com mutações já conhecidas por ampliar o risco de tumores de mama e próstata”, traduz a psico-oncologista Cristiane Bergerot, líder nacional de equipe multidisciplinar da Oncoclínicas.
+ LEIA TAMBÉM: Uma nova forma de desestabilizar o câncer
Repercussões celulares
O experimentou demonstrou que um dos principais hormônios envolvidos na reação de estresse, o cortisol, pode causar danos no DNA das células ou dificultar sua reparação natural – o que pode ser o estopim para o surgimento e o avanço de um tumor.
“Esse efeito foi especialmente pronunciado em células com deficiência nos genes BRCA, que já têm capacidade reduzida de lidar com lesões no material genético”, explica Bergerot.
A mutação nos genes BRCA se tornou mais conhecida junto ao grande público quando a atriz Angelina Jolie divulgou, em 2013, ter passado por testes genéticos e retirado preventivamente as mamas e os ovários em função da alta propensão familiar ao problema.
A especialista da Oncoclínicas chama a atenção para o achado de que níveis persistentemente altos de cortisol no sangue estavam associados a maior probabilidade de desenvolver falhas celulares capazes de resultar em câncer. “Em outras palavras, o estresse pode funcionar como um gatilho adicional para a doença em indivíduos geneticamente vulneráveis”.
Na prática, a psico-oncologista acredita que, além de mostrar o envolvimento de fatores emocionais e hormonais na gênese do câncer, a nova pesquisa britânica “abre caminho para estratégias de prevenção que considerem não apenas a genética, mas também o bem-estar emocional e o manejo do estresse como parte dos cuidados com a saúde”.