Autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a operação da Polícia Federal deflagrada contra Jair Bolsonaro divide opiniões de especialistas ouvidos pela reportagem. As divergências ocorrem na interpretação das justificativas do juiz para impor uma série de medidas restritivas contra o ex-presidente, que, a partir de agora, usará tornozeleira eletrônica e estará proibido, entre outras coisas, de acessar as redes sociais e de sair de casa durante a noite.
A operação aconteceu alguns dias após o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciar um tarifaço sobre produtos brasileiros e associar a medida ao processo em que Jair Bolsonaro é réu no STF por suposta tentativa de golpe de Estado. Ao autorizar a ação da PF, Moraes argumentou que o ex-presidente e seu filho, Eduardo Bolsonaro, que está nos EUA e em constante contato com aliados de Trump, atentam contra a soberania nacional ao “interferir no curso de processos, desestabilizar a economia do Brasil e pressionar o Poder Judiciário”.
“Eduardo diz que o tarifaço é só o começo e que vem mais. Alexandre de Moraes entendeu que isso pode implicar em uma interferência mais direta dos EUA, como prestar auxílio de fuga para Bolsonaro. O recado me parece bem claro: o Judiciário não vai se curvar à interferência de um agente estrangeiro em um processo conduzido conforme as leis brasileiras”, avaliou o professor de direito penal da Fundação Getúlio Vargas, Davi Tangerino. Para ele, a determinação de Moraes tem respaldo jurídico e não tem caráter de retaliação.
Já o professor de processo penal da PUC-SP, Carlos Kauffmann, disse que o Supremo passa recados preocupantes ao autorizar a operação contra Bolsonaro. “Essa decisão é preocupante por atingir de forma veemente a credibilidade do Judiciário que, em vez de se distanciar do protagonismo político, fortalece a polarização de uma sociedade já dividida”, afirmou, ao sustentar ainda que a ação da polícia representou “emprego de força e tentativa de dominação absoluta para minar qualquer força política que Bolsonaro representa”.
Segundo o professor de Direito Constitucional da USP Roger Stiefelmann Leal, denunciar supostos excessos cometidos pela Justiça brasileira a organismos internacionais não configura uma conduta penalmente relevante. “Ao longo da história recente, diversos episódios semelhantes ocorreram sem que tenha atribuído a eles um caráter criminoso”, ressaltou.
Leal citou como exemplo as vezes em que advogados brasileiros foram ao exterior para criticar supostos abusos cometidos pela Justiça na análise de processos da Lava Jato, por exemplo. Um desses episódios ocorreu em 2017, quando Cristiano Zanin, então advogado de defesa de Lula na época da Operação, viajou para a Inglaterra e para a Itália para defender a tese de que a Justiça não estaria garantindo os direitos constitucionais do petista, que se dizia alvo de perseguição política.
“A adoção dessas medidas de hoje passa a impressão de ser uma reação defensiva por parte daqueles que se veem alvo das denúncias. Abre espaço a cogitações sobre a intenção de calar críticas e questionamentos”, destaca o professor da USP.
Risco de prisão
Tangerino disse também que a possibilidade de Bolsonaro ser preso em regime fechado não pode ser descartada. Vai depender, na avaliação do professor da FGV, do comportamento do ex-presidente a partir de agora. “Se Bolsonaro não se aquietar, me parece que o Supremo também está disposto a dobrar a aposta e pode pedir a prisão preventiva dele, que é o que restou. Não consigo lembrar de outras cautelares que possam ser impostas”, afirmou.