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Especialista em sustentabilidade mostra o que o Brasil pode aprender com a China

Professora da Academia Nacional de Governança da China, Changsu Song é referência no conhecimento de soluções sustentáveis para os desafios urbanos, frente às mudanças climáticas. A especialistas esteve no Brasil para falar sobre o conceito de Cidade Esponja, que propõe transformar o espaço urbano em um sistema capaz de absorver, armazenar, filtrar e liberar lentamente a água da chuva. A estrutura reduz enchentes, melhora a qualidade da água e aumenta a resiliência climática. A ideia é integrar infraestrutura verde e azul — como parques, áreas alagáveis, telhados verdes, jardins de chuva e manguezais restaurados — ao planejamento urbano, concilia crescimento econômico, bem-estar e preservação ambiental.

Song foi convidada para participar do primeiro dia da Semana de Inovação 2025, promovida pela Enap, em Brasília, entre 30 de setembro e 2 de outubro. Em entrevista à Veja, falou das experiências bem-sucedidas aplicadas em cidades chinesas, no País de Gales e nos Estados Unidos. No Brasil, tanto São Paulo quanto o Pantanal poderiam se beneficiar do modelo: a capital no enfrentamento da escassez hídrica e enchentes; e o bioma, como uma “esponja natural”, através de soluções baseadas na natureza para restaurar equilíbrio ecológico. Além de adaptar as cidades às mudanças climáticas, o conceito também contribui para mitigar o aquecimento global. Segundo a pesquisadora, o modelo nasceu como resposta à pressão da urbanização acelerada e dos eventos climáticos extremos, que intensificam enchentes, poluição hídrica e doenças urbanas. “Essa alta urbanização impacta o meio ambiente e se torna o maior desafio para a sustentabilidade”, diz ela. “O modelo cidade-esponja é saída para restaurar o equilíbrio ecológico.” Abaixo a entrevista na íntegra.

O Brasil tem um imenso potencial hídrico, mas a excessiva canalização e perfuração do solo fizeram com que grandes metrópoles, como São Paulo, enfrentassem crises de água. Poderia explicar como o conceito de cidade-esponja poderia ser aplicado a essa cidade, ou já é tarde demais? Nunca é tarde para começar. Pelo contrário, é a hora de começar, porque praticamente todas as cidades estão enfrentando desafios relacionados à água. O conceito de cidade-esponja refere-se a uma abordagem de desenvolvimento que aprimora o planejamento urbano, a construção e a gestão, aproveitando plenamente as funções de edifícios, estradas, áreas verdes e sistemas hídricos — especialmente a infraestrutura ecológica — na absorção, armazenamento e liberação lenta da água da chuva. Essa abordagem controla de forma eficaz o escoamento pluvial e busca alcançar a acumulação natural, a infiltração natural e a purificação natural. Ela adota, de maneira integrada, medidas como “infiltrar, reter, armazenar, purificar, utilizar e drenar”, minimizando o impacto do desenvolvimento urbano sobre as características hidrológicas naturais originais e transformando a cidade em uma comunidade harmoniosa onde humanos e água coexistem. Assim, a estratégia aborda sistematicamente problemas urbanos relacionados à água, como restaurar a ecologia hídrica urbana, melhorar o ambiente aquático urbano, conservar recursos hídricos e garantir a segurança hídrica, assegurando que a cidade tenha tanto “essência” quanto “aparência”.

 

Como você resumiria a principal vantagem do conceito de cidade-esponja? A cidade-esponja é um modelo de desenvolvimento urbano baseado em infraestrutura ecológica, projetada para absorver a água — como uma esponja — regulando o sistema hídrico. No contexto das mudanças climáticas, essa abordagem aborda de forma abrangente questões críticas relacionadas à água e problemas ambientais e ecológicos, incluindo gestão de chuvas e enchentes, controle ecológico de inundações, purificação da qualidade da água, recarga de aquíferos, recuperação de áreas degradadas, criação de habitats biológicos. Além disso, contribui para fortalecer múltiplos serviços ecossistêmicos, incluindo serviços de provisão, regulação, culturais e de apoio, promovendo a construção de uma civilização ecológica e o desenvolvimento verde, a transformação do modelo de desenvolvimento urbano, a reforma estrutural pelo lado da oferta e a integração sistêmica da infraestrutura urbana.

Na China, há muitas experiências com o conceito de cidade-esponja. Você poderia citar algum exemplo? Há outros países explorando essa abordagem? A província de Hainan sofre frequentemente com inundações severas devido ao clima de monções, agravado pelos efeitos do aquecimento global. Em Haikou, capital de Hainan, onde corre o rio Meishe (23 km de extensão), os muros de contenção de concreto foram removidos, e a área ao redor foi transformada em um projeto de restauração de manguezais, com caminhos para pedestres que podem ser alagados. Além disso, foram criados pântanos em terraços capazes de tratar 6.000 toneladas de águas residuais por dia, melhorando a qualidade da água do nível V (o pior, para águas superficiais) para o nível III (não potável, mas limpa o suficiente para banho).

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Parece que Sanya foi beneciada também com o sistema, não é?

Sim, em Sanya (também em Hainan), foi criado um sistema de “dedos interligados” de canais para amortecer o impacto das marés oceânicas sobre a costa. Foram construídos terraços verdes em diferentes níveis, do topo da rua (9 metros acima do mar) até a linha da água, com canais conhecidos como bioswales para captar o escoamento de águas pluviais. Outro exemplo é Hangzhou, que desenvolveu projetos como o Parque dos Jogos Asiáticos do Grande Canal e a Cidade Expo Olímpica com funções de cidade-esponja, aproveitando seu cenário natural de integração entre “montanha, água e cidade”. Foram também instalados sistemas de coleta e aproveitamento de águas pluviais, combinados de forma orgânica com o paisagismo de rios e lagos, resultando em um desenvolvimento urbano harmonioso e equilibrado com o meio ambiente.

Fora da China, o que chama atenção?

Em Cardiff (País de Gales), mais de 100 “jardins de chuva” foram construídos, absorvendo 40.000 m² de água por ano e aliviando o sistema de esgoto. Na Filadélfia (EUA), o plano “Green City, Clean Waters”, orçado em US$ 4,5 bilhões e com duração até 2036, já evita que 10 bilhões de litros de escoamento pluvial e extravasamento de esgoto cheguem aos rios locais. Em Tirana (Albânia), a “Floresta Orbital” plantará 2 milhões de árvores ao redor da cidade, ajudando a limpar o ar, conter a expansão urbana e oferecer proteção contra inundações. Em Roterdã (Holanda), telhados *azul-verdes* reduziram os custos de tratamento de água em US$ 75.000 por ano e evitaram cerca de 10.000 toneladas de emissões de CO₂.

O Pantanal é naturalmente considerado um bioma-esponja, mas tem sofrido com a atividade humana, a expansão de pastagens e as recentes secas extremas. Técnicas poderiam ser aplicadas aqui para ajudar a equilibrar esse bioma precioso? Sendo um dos biomas mais preciosos, o Pantanal merece receber mais atenção e ser reconstruído como uma nova esponja. A prioridade máxima é interromper a destruição, adotando medidas necessárias. Para a restauração, as soluções baseadas na natureza são a técnica mais importante. Ao mesmo tempo, é essencial combinar infraestrutura ecológica, como infraestrutura verde e azul.

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O que o mundo pode aprender com o Pantanal ? Águas límpidas e montanhas verdes são ativos inestimáveis. A natureza é a base da sobrevivência humana e fornece praticamente tudo para o bem-estar das pessoas. Proteger a natureza é proteger a produtividade. Precisamos lidar de forma adequada com a relação entre desenvolvimento e conservação para assegurar a coexistência harmoniosa entre humanos e natureza.

O conceito de cidade-esponja pode ajudar a desacelerar o aquecimento global ou serve principalmente para lidar com eventos extremos, como enchentes?  No contexto das mudanças climáticas globais, a contribuição da cidade-esponja depende de dois aspectos: Adaptação – enfrentar os impactos das mudanças climáticas, como reduzir enchentes, resistir a chuvas intensas e aumentar a resiliência ecológica, bem como lidar com os impactos da urbanização e das doenças urbanas. Mitigação – reduzir os danos ao meio ambiente, o consumo de energia e as emissões de carbono, além de contribuir para o sequestro de carbono, a neutralidade de carbono e até mesmo a geração de carbono negativo.

Quais são as principais mudanças no planejamento urbano necessárias para implementar o sistema? É necessário fortalecer a resiliência climática nos espaços urbanos. Precisamos transferir as estratégias climáticas globais de um enfoque único, centrado apenas nas emissões de carbono, para uma estrutura holística de resiliência climática, por meio desse modelo. O planejamento urbano deve seguir o conceito de coexistência harmoniosa entre humanos e natureza. Por exemplo, estamos implementando a construção de *cidades-parque*, promovendo a transição de “indústria, cidade e pessoas” para “pessoas, cidade e indústria”, de “construir parques dentro das cidades” para “construir cidades dentro de parques”, e de “construção de espaços” para “criação de cenários”, concretizando a combinação harmoniosa entre produção, vida e ecologia. É igualmente necessário acompanhar esse processo com outros planejamentos, como abastecimento e drenagem de água, paisagismo, arquitetura, vias e assim por diante.

 

 

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