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Entre a doação e o transplante: um convite para refletir sobre tempo e empatia

Tempo. É escolha ou é sentença? Ele nos convida a ser ou a ter, a ficar ou a passar? Tempo é sobre viver ou sobre sobreviver? Bilhões de pessoas mundo afora e mundo adentro têm as mesmas 24 horas no seu dia – e isso independe da idade, da raça, do gênero, da classe social, da etnia, da crença, da profissão, da configuração familiar, da ideologia política, da conta bancária…

Esse mesmo tanto de gente está por aqui de passagem e com muito menos controle do que insiste em acreditar. Não fazemos ideia de quanto tempo vamos durar, mas sabemos, com certeza absoluta, que um dia vamos embora. Para onde, como, quando e por qual motivo ninguém sabe, mas isso não importa. Meu convite é para uma reflexão sobre a diferença que podemos fazer no nosso tempo, e no tempo do outro, enquanto estivermos por aqui.

Fazer a diferença pode parecer trabalhoso, cansativo e descolado demais da realidade de tanta gente que vive no limite da exaustão. Contas para pagar, filhos para educar, saúde para monitorar. Falta tempo. Chefes para aguentar, trabalhos para entregar, mil assuntos para se informar. Falta tempo. Tem meta, tem expectativa, tem correria, tem comparação. Falta tempo.

Tem que malhar, tem que ter vida social, tem que dormir bem. Falta tempo. A revolução digital ajuda e atrapalha, informa e desinforma, acolhe e repele, inclui e exclui. Paralisa. Mas o tempo (real) não para. A pressão por “sucesso” é imensa, a padronização é avassaladora e viver confinado dentro de uma bolha de interesses individuais vira consequência. E o tempo não para.

Você sabia que há mais de 75 mil pessoas no Brasil desafiando o tempo à espera por uma doação de órgãos e/ou tecidos para permanecer vivas? Você sabia que cada milésimo de segundo de tempo nessa fila é determinante para que isso aconteça?

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Você sabia que bebezinhos, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos povoam essa lista de espera? Você sabia que muitas mães interrompem suas vidas pessoais e profissionais e dedicam seu tempo to-di-nho para esperar junto com os filhos?

Você sabia que famílias inteiras chegam a mudar de cidade para atender as necessidades de quem está com a vida por um triz? E você faz ideia de que você – sim: você! – com um gesto muito simples, pode ajudar a transformar esse cenário?

Você já pensou ou conversou com alguém, alguma vez na vida, sobre ser ou não doador/a de órgãos e tecidos? A pergunta te parece sem sentido, prematura, inadequada? Por quê? Vou fazer mais uma: Quando você pensa nas palavras “transplante” e “doação de órgãos” você imagina uma cena triste ou uma cena feliz? E, por acaso, você conhece alguém que esteja na fila do transplante ou que já tenha passado por isso como protagonista ou coadjuvante da situação?

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Eu conheço. Várias. Nenhuma delas é da minha família, nem do meu círculo íntimo de amizades. Entendo que faço parte de uma engrenagem que pode funcionar melhor com o meu interesse e participação – vivemos em coletividade, afinal. Se existe um problema social, cultural e comportamental que compromete a vida de tanta gente, e que pode ser minimizado com ações simples que estão ao alcance de todos, por que não agir? O que estamos esperando?

Foi a partir dessa inquietação que nasceu, há cinco anos, o Projeto Cicatrizes, uma plataforma de disseminação e letramento da cultura da doação de órgãos e tecidos no Brasil. Tenho o privilégio de ouvir, sentir, aprender e de contar histórias de transplantados que vivem intensamente, amorosamente e incansavelmente a partir do presente que receberam de alguém – vivo ou morto; conhecido ou desconhecido.

O tempo deles é diferente do tempo da “sociedade do desempenho”. Eles desfrutam, celebram e exploram a vida. Um dia depois do outro.

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* Renata Veneri é jornalista, especialista em qualidade de vida, bem-estar e saúde, CEO de Corpo Cabeça Coração, idealizadora do Projeto Cicatrizes e autora do livro Atividade Física no Cotidiano (Editora Contexto)

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