O ano de 1989 foi especial para a história da televisão. A primeira temporada da clássica série de comédia Seinfeld foi ao ar em julho e, em setembro, o público assistiria aos primeiros episódios de Baywatch, com o galã David Hasselhoff (e, mais tarde, a escultural Pamela Anderson), seriado que se tornaria um dos mais vistos de todos os tempos, superando 1,1 bilhão de espectadores. Mas, enquanto essas produções tiveram seu momento de glória e hoje sobrevivem apenas de reprises, outra criação se manteve relevante e fecunda desde então. Concebida por Matt Groening, Os Simpsons começou a ser exibida no fim de 1989 e hoje é uma das atrações mais longevas da indústria do entretenimento. O surpreendente, no entanto, é a maneira como ela conseguiu o feito de preservar seu impacto cultural em um mercado cada vez mais disputado e rotativo. Um dos segredos está em sua infiltração em outras mídias de porte. E a maior prova é a entrada de Homer, Marge, Bart e o restante da família e do elenco no game mais popular da atualidade, Fortnite.
O jogo é um fenômeno com mais de 650 milhões de usuários cadastrados e uma média de 2,5 milhões de pessoas conectadas em partidas a qualquer hora do dia ou da noite. No módulo on-line, os jogadores usam uma variedade de armas para enfrentar os rivais. Ganha quem for o último sobrevivente. O apelo está na maneira como o game insere, de forma constante e orgânica, diversos personagens e cenários da cultura pop. “O Fortnite se tornou um ecossistema em que se consegue fazer coisas que nunca vimos em outro lugar, como juntar personagens da Marvel e da DC Comics ou misturar Darth Vader com Rick and Morty”, diz Vicente Mastrocola, professor da graduação em jogos digitais da PUC-SP. “Por sua proposta irreverente, conseguiu um espaço onde cabe tudo, e fez isso de forma muito estratégica.” Ao longo do mês de novembro, a cidade de Springfield, onde a série animada se passa, será o ambiente em que os jogadores vão se encarar. Além de poder controlar personagens clássicos, o jogo está repleto de surpresas para os fãs de longa data. Participar de um espaço tão concorrido é uma mostra do duradouro sucesso de Os Simpsons.

Mas a jornada do desenho extrapola o ambiente dos games. Um dos motivos que ajudam a explicar o êxito do fenômeno cultural é o envolvimento contínuo de seu criador, Matt Groening, na produção. “Os episódios também dialogam com o tema da família de forma universal, e seus personagens têm personalidades muito fortes e marcantes”, afirma Mastrocola. Outra fórmula inesgotável é realizar uma ácida crítica da sociedade americana atualizando os alvos e assuntos. Nas temporadas mais recentes, fez-se piada com as canetas emagrecedoras de Ozempic e com outras séries famosas, como Stranger Things.
Ainda assim, o ingresso no Fortnite reforça a longa ligação de Os Simpsons com o universo dos jogos eletrônicos. Desde o início dos anos 1990, uma leva de títulos tentou levar o universo da série para os consoles. Um dos melhores exemplos é Hit & Run, que saiu para PlayStation 2 e outras plataformas em 2003. Na trama, os personagens desempenham árduas missões em Springfield. Nos últimos anos, a série migrou também para os smartphones com Tapped Out, jogo gratuito que ficou mais de uma década disponível ao público. Agora, dentro do maior game da atualidade, ninguém segura mais a grande família.
Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2025, edição nº 2970