O Brasil, pioneiro no PIX e entusiasta declarado da inovação financeira, acaba de recalibrar seu projeto mais ambicioso desde o sistema de pagamentos instantâneos. Na semana passada, o Banco Central (BC) anunciou que a próxima fase do Drex, apresentado em 2023 como a futura moeda digital oficial do país, será lançada em 2026 sem tecnologia de registro distribuído (DLT) e sem tokenização.
A mudança não é apenas técnica, mas altera o próprio alcance da iniciativa. Em vez de um instrumento financeiro digital que pudesse ser usado diretamente pelo cidadão, a primeira entrega será uma ferramenta de bastidor para reconciliação de gravames, um sistema que permitirá verificar, de forma integrada, se um ativo registrado em diferentes instituições já está sendo usado como garantia de crédito. É útil para bancos, corretoras e cartórios, mas invisível para o usuário final.
Drex será faseado
O novo cronograma divide o Drex em dois horizontes. No curto prazo, a solução será construída com tecnologias tradicionais, deixando de lado a rede blockchain que havia sido escolhida: a Hyperledger Besu. Num segundo momento, ainda sem prazo definido, voltam à pauta as redes DLT e a automação via contratos inteligentes, aproximando o projeto de sua concepção original.
A Hyperledger Besu, uma rede permissionada compatível com contratos inteligentes do Ethereum, mostrou-se complexa demais para os objetivos do BC. O principal obstáculo foi criar um mecanismo de privacidade que não comprometesse a programabilidade do sistema.
Quando o Drex foi revelado, em agosto de 2023, o discurso oficial falava em inclusão financeira, investimentos fracionados e até pagamento de benefícios sociais via moeda digital. Agora, o foco imediato é menos disruptivo: melhorar a infraestrutura de garantias de crédito. Para o cidadão, nada muda na vida cotidiana; para o sistema financeiro, há ganhos de eficiência.
Guinada não é exclusiva
Globalmente, a guinada brasileira não é isolada. Apenas três países – Bahamas, Jamaica e Nigéria – já lançaram suas moedas digitais de varejo. Outros 134 ainda estão em fase de pesquisa ou piloto. “Apenas um país baniu oficialmente CBDCs de varejo: os Estados Unidos, no governo Trump”, lembra Sarah Uska, analista de criptoativos do Bitybank.
A América Latina, por outro lado, vive um boom de criptoativos. Segundo a Chainalysis, a região é hoje o segundo mercado que mais cresce no mundo, com alta de 42,5% no último ano. O Brasil ocupa o 9º lugar global em adoção, motivado não por especulação, mas por uso prático: proteger-se da inflação, receber pagamentos internacionais e superar a burocracia bancária.
Para os defensores de uma moeda digital estatal, o recuo é decepcionante. Para reguladores, é um movimento pragmático: melhor entregar algo funcional em 2026 do que apostar todas as fichas numa tecnologia que ainda não está madura para o uso pretendido. O risco é que, ao adiar a visão mais ambiciosa, o Drex perca tração no debate público e se transforme, no curto prazo, em uma “moeda digital de bastidor”, relevante para o mercado, mas distante do bolso e da tela do cidadão.