A importante entrevista concedida por Ciro Nogueira ao O Globo no fim de semana, conduzida por Camila Turtelli, pretendia exibir unidade na direita em torno da sucessão de Jair Bolsonaro (pele menos esse é o bastidor contado à coluna. O resultado foi o contrário. Ao afirmar que apenas Tarcísio de Freitas e Ratinho Júnior seriam as “alternativas viáveis” para 2026, o senador reacendeu uma disputa surda entre governadores e expôs a dificuldade do bolsonarismo em encontrar um projeto comum.
Ciro declarou que o ex-presidente “já escolheu um nome”, que o anúncio será feito em janeiro e que Tarcísio “não teria como recusar” se fosse convocado pelo padrinho político. A leitura foi imediata: Ronaldo Caiado ficou fora do jogo. O governador de Goiás reagiu com fúria. Nas redes, chamou Ciro de “inexpressivo” e ironizou sua “ansiedade em ser vice de Tarcísio”, lembrando ainda que o senador “um dia já jurou amor eterno a Lula”.
A resposta veio no mesmo tom, com a ironia habitual de Ciro Nogueira: “Deve estar com tempo livre. Eu não. Sobretudo para polêmicas vazias.” O episódio, embora pareça menor, é mais um sinal da fragmentação crescente na direita. Nem a inelegibilidade de Bolsonaro nem o avanço dos processos criminais contra ele têm sido suficientes para unificar as alas que ainda o reivindicam como líder espiritual.
Nos bastidores, há duas leituras. A primeira é que Ciro tenta se manter como articulador do campo bolsonarista, mesmo sem mandato e com influência limitada fora do Congresso. A segunda vê em Caiado o esforço para ocupar o espaço de pseudo-moderação, apostando que o desgaste jurídico de Bolsonaro abrirá caminho para quem conseguir dialogar com o centro — algo que Tarcísio ainda não alcançou e Ratinho apenas ensaia.
O resultado, até agora, é um círculo vicioso. A direita se engalfinha em torno de quem herdará o espólio político de Bolsonaro, enquanto o ex-presidente segue sendo o eixo da discórdia — ora mártir (o que é de fato uma grande vergonha para a direita), ora obstáculo. No limite, ele pode escolher um nome fora da lista dos “viáveis” citados por Ciro.
Seja Michelle Bolsonaro ou um dos filhos, o movimento de 2026 ainda depende de um gesto que, por enquanto, só o ex-presidente pode fazer. Até lá, o que há é disputa, ressentimento e um inventário aberto de uma herança política que ninguém sabe se ainda vale tanto assim.