Depois de meses de tensão e medidas punitivas, Brasil e Estados Unidos tentam reconstruir as pontes. O gesto simbólico de reconciliação – um breve abraço entre Lula e Trump durante a Assembleia Geral da ONU, em setembro – abriu espaço para uma reaproximação pragmática. A videoconferência de 30 minutos entre os dois, realizada em 6 de outubro, foi o primeiro passo. A reunião entre o secretário de Estado, Marco Rubio, e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, consolidou o desenho institucional dessa trégua.
A reunião de uma hora realizada nesta quinta-feira, 16, na Casa Branca, simbolizou mais do que uma reaproximação protocolar: foi um redesenho das rotas diplomáticas e comerciais entre as duas maiores economias do hemisfério sul e norte.
O encontro, o primeiro presencial desde o início da crise bilateral em julho, produziu um avanço discreto, porém relevante: uma divisão de tarefas que busca tirar o peso político das negociações comerciais e abrir espaço para resultados práticos.
Pelos termos acordados, as questões econômicas, incluindo a suspensão do tarifaço de 40% sobre produtos brasileiros e a investigação sob a Seção 301 da legislação comercial americana, passarão a ser conduzidas entre o USTR (Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos) e o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio do Brasil, Geraldo Alckmin. Já os assuntos políticos e diplomáticos, como as sanções a cidadãos brasileiros e as tensões em torno da Venezuela, seguirão sob responsabilidade direta de Vieira e Rubio.
O tarifaço anunciado em julho atingiu em cheio produtos como café, alumínio, calçados e autopeças, setores em que o Brasil vinha ampliando presença nos EUA. A sobretaxa de 40%, que se somou à taxa já imposta de 10%, totalizando 50%, elevou preços e reduziu margens de exportadores, ao mesmo tempo em que prejudicou consumidores americanos e pressionou cadeias de abastecimento já fragilizadas.
“O encontro foi muito produtivo, num clima excelente de troca de ideias e posições de forma clara e objetiva”, declarou Vieira após a reunião.
O governo brasileiro busca suspender temporariamente o tarifaço, enquanto durarem as conversas, como forma de sinalizar boa vontade e abrir caminho para um acordo mais amplo. Do lado americano, há demandas antigas: maior abertura ao etanol dos EUA, acesso a minérios críticos, e mudanças na regulação das big techs no Brasil, vistas em Washington como restritivas e imprevisíveis.
A investigação da Seção 301, aberta em julho, adicionou pressão. O relatório preliminar lista alegadas “práticas desleais” do Brasil, variando do desmatamento e corrupção à regulação do Pix e ao comércio informal da Rua 25 de Março, em São Paulo. A amplitude dos temas, vista como um sinal de fragilidade jurídica, tem sido interpretada por diplomatas brasileiros como instrumento de barganha de Washington, um mecanismo para abrir concessões em áreas sensíveis.
Ambos os governos trabalham agora para organizar o primeiro encontro presencial entre Lula e Trump, possivelmente à margem da Cúpula da ASEAN, na Malásia, no fim do mês. A expectativa é que o gesto sirva como anúncio político de retomada do diálogo, enquanto as equipes técnicas cuidam do conteúdo.