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Emendas já respondem por 45% do orçamento da Assistência Social

As chamadas emendas parlamentares (EPs) têm ganhado o noticiário e um inusitado protagonismo nos últimos anos. Hoje, parcelas significativas dos orçamentos e investimentos de áreas como Saúde, Educação, Assistência Social e Cultura passaram a ser decididos no Congresso Nacional. No caso da Assistência Social, quase metade dos recursos destinados aos serviços, em 2023, foi alocado por parlamentares, segundo estudo recém-publicado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Esse percentual expressivo, que me assustou, não foi uma surpresa para a pesquisadora Ana Cleusa Serra Mesquita, que coordenou o estudo. “Desde 2017, ele vinha aumentando ano a ano. Já estávamos vendo essa escalada”, diz ela, em entrevista à coluna.

VOLUME MÉDIO DE EMENDAS MAIS QUE DOBROU NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS  

De acordo com o estudo, na segunda década de vida do Suas (2015-2024), o volume médio de recursos movimentados pelas emendas foi mais que o dobro do período anterior, especialmente ao longo dos anos do governo Bolsonaro, promovido principalmente pelas emendas aos Projetos de Lei Orçamentária Anual (Ploas), que alcançaram valores consideravelmente mais altos.

“As emendas parlamentares sempre fizeram parte do processo orçamentário, mas elas tinham um papel supletivo, subsidiário”, explica a pesquisadora. Hoje, alocam uma parcela crescente dos recursos disponíveis, o que pode custar muito caro ao funcionamento da Assistência Social e ao próprio país.

A diminuição do poder decisório do Executivo e a falta de coordenação na alocação desses recursos acabam comprometendo a universalização dos direitos sociais, aprofundando a desigualdade no alcance dos serviços, num país que já é notadamente um dos mais desiguais do mundo.

“O orçamento federal, principalmente os critérios de distribuição desses recursos, é um instrumento fundamental para alcançar os objetivos que estão colocados na Constituição”, diz Ana Cleusa Mesquita. Um dos objetivos é justamente reduzir desigualdades sociais e regionais. “É muito difícil que o resultado dessas múltiplas escolhas individuais, como acontece nas emendas, sejam aderentes às necessidades públicas. É muito provável que acabem resultando em omissões ou em redundâncias”, lamenta.

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De maneira geral, segundo o estudo, 50% dos municípios brasileiros não receberam nenhuma verba de emenda parlamentar para a Assistência Social nos últimos dois anos. Em 2023, municípios de pequeno porte (até 20 mil habitantes) receberam, em média, dez vezes mais recursos no valor per capita que os municípios com mais de 900 mil habitantes.

A predominância de critérios políticos sobre parâmetros técnicos ameaça a universalização prevista na Política Nacional de Assistência Social, comprometendo desde a continuidade da oferta serviços em muitos municípios até o planejamento e a expansão de novas unidades de atendimento. “O menor controle do Executivo sobre o orçamento representa uma menor possibilidade de atuação para corrigir iniquidades”, resume a pesquisadora.

Sem essa coordenação e diagnósticos que deem suporte às decisões de distribuição dos recursos, a própria viabilidade do Suas acaba comprometida. “As emendas, ganharam uma dimensão tão grande que desorganizam a política e a possibilidade de se alcançar os seus objetivos como estão postos nas principais normativas, dificultando um planejamento governamental da assistência social”, conclui.

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FALTA TRANSPARÊNCIA

Para a pesquisadora, o cenário ideal é que as emendas voltassem a ter um papel suplementar e subsidiário na alocação do orçamento federal sem a centralidade que tomaram. Parece, no entanto, que os parlamentes não estão dispostos a abrir mão do protagonismo que ganharam na decisão do orçamento.

“O que o Poder Executivo deve buscar é uma convergência das emendas com as políticas públicas, seus diagnósticos, objetivos e prioridades”, diz Ana Cleusa Mesquita. A especialista defende ainda o uso do chamado “impedimento técnico”. Ou seja, o estabelecimento de critérios, diretrizes e condições para garantir que a aplicação dos recursos, por meio das emendas, seja o mais compatível possível com os planos e programas das políticas públicas setoriais.

Outra demanda urgente é a transparência na execução dos gastos. “Seria importante que nós soubéssemos como esses recursos estão sendo distribuídos em termos dos diferentes serviços financiados”, diz ela.

A criação do Suas, em 2005, representou um passo decisivo para a transição de uma ótica assistencialista, focada na caridade, para uma política de garantia de proteção socioassistencial como um direito de todos.

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Com o orçamento para serviços e ações da assistência social mais escassos, os gestores ficam, segundo a pesquisadora, limitados na possibilidade de fazer avançar agendas como o enfrentamento do trabalho infantil e da exploração sexual e a proteção à primeira infância. O planejamento dessas ofertas e dos serviços também é afetado.

Segundo o estudo, o fortalecimento de mecanismos de distribuição e controle dos repasses é fundamental para garantir a resiliência do Suas num presente e num futuro que se mostram cada vez mais adversos às políticas fundamentadas nos princípios de universalidade e equidade. Já estamos pagando um preço muito alto por isso e a conta tende a subir.

* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos. Siga a colunista no Instagram

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