Após o cessar-fogo entrar em vigor na última sexta-feira, 10, o Hamas passou a mobilizar combatentes e policiais armados para lutar contra milícias locais, acusadas de serem filiadas a Israel. Os confrontos tiveram início no sábado, 11, quando “uma gangue de foragidos matou combatentes da resistência das Brigadas Qassam”, o braço armado do grupo radical, perto do Hospital de Campanha da Jordânia, na Cidade de Gaza.
Novos ataques foram registrados no domingo, 12. Oito membros do Hamas e 19 do clã foram mortos, segundo o Ministério do Interior de Gaza. O jornalista palestino Saleh Aljafarawi, de 28 anos, que cobria confrontos no bairro de Sabra, foi pego no fogo cruzado e não resistiu. A imprensa local apontou que o clã Doghmush liderou a ofensiva.
A milícia familiar tem membros de diferentes lados do espectro político, de acordo com a emissora árabe Al Jazeera. Há relatos de que os envolvidos na operação de domingo eram ligados a Israel. Não seria a primeira vez que Israel, contudo, apoiaria milícias em Gaza. Tel Aviv, inclusive, está por trás da milícia Forças Populares, comandada por Yasser Abu Shabab, da tribo beduína Tarabin.
Lesado por dois anos de guerra, o Hamas perdeu a maioria de seus comandantes militares de alto e médio escalão, além da baixa de milhares de combatentes de baixa patente, em ataques israelenses. Ao mesmo tempo, Israel mirou policiais de Gaza e destruiu prisões no enclave palestino. Em reflexo, não há mais ordem e lei em Gaza, o que abre espaço para que famílias armadas, clãs, gangues, saqueadores e milícias tentem ocupar o vácuo de autoridade.
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Hamas desafiado
Na disputa por poder, está Hossam al-Astal, líder de uma milícia alinhada a Israel, que desafiou o Hamas no fim de semana. Em publicação nas redes sociais, ele mandou uma mensagem “a todos os ratos do Hamas”, escrevendo: “Seus túneis foram destruídos, seus direitos não existem mais. Arrependam-se antes que seja tarde demais – não há Hamas a partir de hoje”. Ele está na mira dos combatentes do Hamas, assim como Yasser Abu Shabab, à frente das Forças Populares.
Um oficial de segurança do Hamas disse ao jornal britânico The Guardian que há uma caçada humana contra Abu Shabab, acrescentando que um dos seus assessores havia sido “liquidado” nos últimos dias. A fonte, sob condição de anonimato, também alertou que “a campanha de segurança continua e se intensifica até que essa questão esteja completamente resolvida, e nenhuma parte poderá violar a lei”.
Em comunicado, o Ministério do Interior de Gaza, controlado pelo Hamas desde 2007, disse que os esforços estavam voltados para garantir a “segurança e a estabilidade” no território, mas que “a porta para o arrependimento e a anistia geral” estava aberta para membros de “gangues” que não cometeram assassinatos.
“Todos os indivíduos envolvidos devem se entregar aos serviços de segurança dentro de uma semana para resolver sua situação legal e de segurança e encerrar permanentemente seus arquivos”, advertiu o ministério.
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E o desarmamento do Hamas?
Não é provável que os conflitos internos ameacem o cessar-fogo entre Israel e Hamas. Há preocupações, no entanto, de que o aumento das hostilidades crie mais um obstáculo para o desarmamento do grupo radical, previsto no plano de 20 pontos do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A proposta, aceita pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e pelos combatentes na semana passada, não estabelece um cronograma para que os combatentes entreguem as armas — uma ideia rejeitada, a princípio, por eles.
Questionado sobre as disputas entre o Hamas e os rivais por poder em Gaza, Trump ponderou que o grupo estava agindo dentro dos parâmetros do acordo, afirmando: “Eles querem acabar com os problemas e têm sido abertos sobre isso, e nós lhes demos aprovação por um período de tempo… Temos quase 2 milhões de pessoas voltando para prédios que foram demolidos, e muitas coisas ruins podem acontecer. Então, queremos que seja – queremos que seja seguro. Acho que vai ficar tudo bem. Quem sabe ao certo.”