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Em meio à tensão, Congresso enfrenta desafio de fazer avançar pautas decisivas

Debaixo de um sol escaldante, dezenas de deputados e senadores de oposição se aglomeraram sobre a rampa do Congresso Nacional na última terça-feira, 5, para protagonizar o primeiro ato do dia que, ao menos oficialmente, marcaria a retomada dos trabalhos legislativos após o recesso de julho. Antes de os microfones serem ligados, eles atacaram o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que havia decretado a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro horas antes, criticaram setores da imprensa e fizeram troça com a possibilidade de serem punidos por causa do protesto. A tropa era liderada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a quem coube anunciar a defesa do que ele chamou de “pacote da paz” como uma suposta solução para o clima de tensão reinante. Porta-voz dos aliados do capitão, o Zero Um, em vez de um gesto pela pacificação, fez na verdade uma declaração de guerra, deixando claro que a ala mais radical da direita está disposta a atrapalhar o avanço de projetos prioritários para o país caso seus interesses não sejam atendidos.

As exigências dos bolsonaristas têm beneficiários específicos, um deles bem conhecido, e contemplam a aprovação imediata de uma anistia ampla, geral e irrestrita a condenados por tentativa de golpe, o impeachment de Moraes e o fim do foro privilegiado, que tiraria o STF do encalço dos políticos. O grupo defende esses temas há pelo menos dois anos, mas não conseguiu aprová-los por falta de voto. Agora, com a prisão domiciliar e a iminente condenação de Bolsonaro, os radicais resolveram retomar a ofensiva, só que em altíssima temperatura. Parlamentares bolsonaristas anunciaram total obstrução dos trabalhos até que seus pleitos sejam atendidos, realizando um motim nos plenários que forçou o cancelamento das sessões. Num gesto simbólico, também pregaram esparadrapos em suas bocas, em alusão à suposta censura de que Bolsonaro seria vítima. Na noite de quarta-feira 6, depois de muitas horas de tumulto, foi reaberta a sessão na Câmara. Segundo a oposição, isso teria sido possível graças a um acordo que prevê na próxima semana a votação dos projetos da anistia e do fim do foro privilegiado. Com o plenário já desocupado, o Senado retomou no dia seguinte os trabalhos e aprovou uma proposta que garante a isenção do imposto de renda para quem ganha até dois salários mínimos.

PRESSÃO - Deputados: anistia aos envolvidos nos ataques do 8 de Janeiro
PRESSÃO - Deputados: anistia aos envolvidos nos ataques do 8 de JaneiroJosé Cruz/Agência Brasil

Eleitos numa frente ampla que contou com o apoio do PT e do PL, os presidentes do Legislativo vinham tentando encontrar um equilíbrio entre os interesses da oposição, do governo e até do Judiciário, numa equação cada vez mais difícil de ser solucionada. Tanto o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) quanto o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) sempre rejeitaram dar aval a qualquer proposta que representasse retaliação ao Supremo e se alinharam ao governo para contestar as ingerências da Casa Branca sobre a economia e os magistrados brasileiros. Por isso, os dois vêm sendo alvos de ataques nas redes e acabaram vaiados durante as últimas manifestações bolsonaristas. Dos Estados Unidos, o deputado Eduardo Bolsonaro ainda ameaça trabalhar para incluir ambos os parlamentares na Lei Magnitsky, medida que representa uma “morte financeira” já aplicada a Alexandre de Moraes, caso façam gestos em favor do ministro ou se recusem a avalizar a anistia.

Nos bastidores, políticos do PL também dizem que, se as exigências dos radicais não forem acatadas, vão trabalhar para que a dupla não seja reeleita ao comando do Congresso em 2027. Em sua primeira manifestação pública, Motta defendeu o diálogo e o respeito institucional. Num tom mais firme, Alcolumbre afirmou que a ocupação orquestrada pela oposição constitui um “exercício arbitrário das próprias razões, algo inusitado e alheio aos princípios democráticos” e, em conversas com senadores, avisou que “não há hipótese” de pautar o impeachment do ministro do Supremo. Já interlocutores governistas afirmam que a obstrução representa um nítido ato de chantagem e isola a ala extremista do Congresso. “Isso aqui é um golpe continuado, o ataque às instituições continua”, disse o líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias. O clima de conflagração é mais amplo do que parece. Cardeais do Centrão, muitos deles aliados de primeira hora dos comandantes do Congresso e próximos a ministros do Supremo, demonstraram contrariedade não só com a prisão domiciliar de Bolsonaro, mas com as restrições impostas ao senador Marcos do Val (Podemos-ES), investigado por incitar ataques ao STF e à Polícia Federal.

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OBSTRUÇÃO - Senadores: protesto em favor da abertura de processo de impeachment contra ministros do Supremo
OBSTRUÇÃO – Senadores: protesto em favor da abertura de processo de impeachment contra ministros do SupremoWagner Araújo/Fotoarena/Agência O Globo/.

Na última semana, Alexandre de Moraes determinou o uso de tornozeleira eletrônica, o recolhimento domiciliar entre 19h e 6h durante a semana e integral durante o fim de semana, além do bloqueio das contas, do salário e da verba de gabinete do senador. A iniciativa foi considerada excessiva e um atropelo ao Senado, a quem cabe chancelar ou sustar decisões contra congressistas. Em um acordo pactuado com ministros do STF e senadores, Alcolumbre decidiu pedir a revisão das cautelares ao mesmo tempo que se comprometeu a afastar Marcos do Val do mandato por seis meses.

Os partidos do Centrão engrossam esse clima de insatisfação, mas sem se comprometer com todas as pautas radicais. As cúpulas de União Brasil e Progressistas, partidos que, apesar de integrarem o governo Lula, trabalham com uma candidatura de oposição em 2026, apoiaram publicamente o movimento de obstrução, sob o argumento de que o Brasil precisa “virar essa página”. Já o presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse que a prisão do ex-presidente é “lamentável” e afirmou que “exageros dos dois lados estão contaminando o país”. Os posicionamentos não indicam necessariamente que as legendas vão aderir ao pacote dos bolsonaristas. Ciro Nogueira, do PP, já avisou que não apoiará a cassação de Moraes. Além disso, há divisões ideológicas inclusive dentro dos partidos. Tudo isso alimenta a confusão no Congresso. O problema de foco é patente e causa desafios diversos. O presidente Lula pretende anunciar um conjunto de medidas para ajudar setores atingidos pela sobretaxa de 50% imposta pelos Estados Unidos. Muitas delas precisarão ser votadas pelo Congresso. O petista também quer dar fôlego a textos capazes de impulsionar sua eventual candidatura à reeleição, como a ampliação da isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 000 reais.

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DIVIDENDOS - Tarifaço: a crise deu ao governo um discurso usado para tentar resgatar a popularidade
DIVIDENDOS - Tarifaço: a crise deu ao governo um discurso usado para tentar resgatar a popularidadeRicardo Stuckert/PR

Sem grandes marcas neste terceiro mandato, Lula vê o desgaste provocado por Trump como uma oportunidade de recuperar popularidade. A última pesquisa Datafolha, divulgada no dia 4, mostrou o presidente liderando todos os cenários no primeiro turno e abrindo vantagem em relação a Bolsonaro e outros nomes de direita num eventual segundo turno, apesar de a aprovação do governo ter se mantido estável — e num nível ainda menor do que a reprovação. Em meio à escalada dos ânimos no Congresso, o presidente deu a entender que não baixará as armas. Durante reunião do chamado Conselhão, grupo que congrega empresários, auxiliares palacianos e sindicalistas, ele voltou a questionar o comportamento do presidente americano. “Se nós passarmos a dar palpite sobre as coisas que acontecem nos outros países, nós estamos ferindo uma palavra mágica chamada soberania, que é o que faz a gente lutar e defender o nosso país”, disse. No dia seguinte, em entrevista à Reuters, Lula rejeitou a ideia de que poderia buscar algum contato com o presidente republicano. “Eu não vou me humilhar”, afirmou. Enquanto o país enfrenta uma crise diplomática e econômica, com a interrupção do debate político interno, Bolsonaro e Lula agem de olho em benefícios próprios. A polarização contribui para paralisar o Congresso — e quem perde, como de costume, é o país.

Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2025, edição nº 2956

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