O líder chinês, Xi Jinping, presidiu um enorme desfile militar em Pequim nesta quarta-feira, 3, com dezenas de caças, mísseis e centenas de soldados em marcha, evento que contou com a presença de uma longa lista de líderes que, como ele, contestam a ordem mundial baseada no domínio dos Estados Unidos — a maioria compõe uma espécie de clube dos autocratas, entre eles o russo Vladimir Putin, o norte-coreano Kim Jong-un, e os chefes de Estado do Irã e Paquistão. A cena foi lida como uma mensagem aos seus rivais para que não o desafiem.
Canhões dispararam 80 vezes para marcar o aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, enquanto soldados carregando uma bandeira chinesa marchavam por um tapete vermelho que cobria parte da Praça da Paz Celestial. A multidão reunida para assistir ao desfile agitava pequenas bandeiras no ar, cantando o hino nacional. Mais tarde, pombos e balões — 80 mil de cada — foram soltos no ar.

Evocação de memórias da guerra
O desfile foi ápice da campanha que o Partido Comunista coordenou na última semana para incitar sentimentos nacionalistas, reformular o papel da China na Segunda Guerra Mundial e pintar o partido como “salvador da nação” contra um agressor estrangeiro, o Japão Imperial. O uso das memórias de guerra serve para angariar apoio a Xi diante da incerteza econômica em casa e das tensões com os Estados Unidos.
“A nação chinesa é uma grande nação que não teme a tirania e se mantém firme sobre seus próprios pés”, declarou o líder do país na tribuna do Portão da Paz Celestial, acima de um grande retrato de Mao Zedong.

Ele traçou conexões diretas entre os sacrifícios da Segunda Guerra e os desafios que a China afirma enfrentar hoje.
“Quando confrontado no passado com uma luta de vida ou morte entre a justiça e o mal, a luz e as trevas, o progresso e o retrocesso, o povo chinês se uniu em ódio ao inimigo e se ergueu em resistência”, disse ele, descrevendo as tensões atuais como mais uma escolha entre paz ou guerra, diálogo ou confronto, e disse que a China estaria do lado do progresso.
O evento foi rico em simbolismo, conectando o Partido Comunista de hoje com o da Revolução Chinesa. Líderes de alto escalão do passado e do presente reuniram-se com Xi, que vestia um terno bem ao estilo de Mao, o pai fundador da República Popular. Mais tarde, ele desfilou pelas ruas acenando do teto solar de uma limusine Bandeira Vermelha, de fabricação chinesa — veículo que evoca tanto a era Mao quanto a ambição da China de autossuficiência industrial.
Enquanto Xi cumprimentava os soldados (“camaradas”), eles viraram a cabeça em perfeita sincronia, respondendo em uníssono: “Sigam o Partido! Lutem para vencer! Forjem uma conduta exemplar!”
Desafio à ordem mundial
A presença de Putin destacou a maneira como China e Rússia tentam alinhar suas histórias, cada uma apresentando a Segunda Guerra Mundial como prova do sacrifício de seus países e como justificativa para exigir maior participação na ordem internacional do pós-guerra. Segundo analistas, eles acreditam que forças hegemônicas ainda querem impor um modelo estrangeiro sobre Pequim e Moscou, enquanto buscam legitimar a ordem mundial que idealizam.

A mensagem de Xi não ficou sem resposta. Minutos após o início da cerimônia, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se manifestou em Washington, acusando o líder chinês de ignorar o papel dos americanos em ajudar a China durante a guerra. “A grande questão e se ele vai mencionar a enorme quantidade de apoio e ‘sangue’ que os Estados Unidos da América deram à China para ajudá-la a garantir sua LIBERDADE de um invasor estrangeiro muito hostil”.
Trump acrescentou: “Por favor, transmitam meus mais calorosos cumprimentos a Vladimir Putin e Kim Jong-un, enquanto conspiram contra os Estados Unidos da América”.
De fato, o desfile não foi apenas uma comemoração do passado, mas principalmente um recado para o Ocidente sobre a ascensão “imparável” da China.
O desfile exibiu novos mísseis destruidores de navios, drones submarinos e aviões de combate sem tripulação, que destacaram os investimentos chineses em inovação bélica, rivalizando cada vez mais com os Estados Unidos pelo domínio militar da Ásia. Xi também emitiu um alerta implícito a Taiwan e seus apoiadores internacionais sobre os perigos de qualquer movimento em direção à independência formal da ilha democrática.


Durante um discurso em que prometeu salvaguardar “a soberania nacional e a integridade territorial”, ele disse que o Exército chinês “sempre foi uma força heroica na qual o Partido (Comunista) e o povo podem confiar totalmente”.
A lista de convidados ressaltou o quanto a divisão entre Pequim e o Ocidente se aprofundou, particularmente devido ao estreito alinhamento da China com a Rússia no contexto da guerra na Ucrânia. Representantes de alto escalão das principais democracias ocidentais, incluindo os Estados Unidos, estiveram notavelmente ausentes. Mas os líderes de muitas nações do Sudeste Asiático e da Ásia Central compareceram ao desfile, demonstrando o sucesso de Pequim no fortalecimento de parcerias regionais. Foi como um selo de triunfo em direção aos seus objetivos.