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Dormir bem pode reduzir risco de doenças cardiovasculares e metabólicas

Pessoas que dormem bem têm menos risco de estar em estágios avançados da Síndrome Cardiovascular-Renal-Metabólica (SCRM), condição ligada a doenças como obesidade, diabetes, doenças renais e cardiovasculares. Essa é a conclusão de um estudo publicado no Journal of the American Heart Association e que representa mais um passo no entendimento da correlação entre sono e problemas crônicos.

A pesquisa analisou dados de mais de 10 mil adultos com idade média de 49 anos dos Estados Unidos e concluiu que existe uma associação entre a qualidade do sono e o estágio da SCRM. Embora não tenha estabelecido causalidade entre os dois fatores, o alerta é relevante: quase 90% dos adultos nos EUA apresentam algum estágio dessa síndrome, e 15% estão em fases mais graves.

“Uma noite maldormida não é só reflexo de má saúde, mas também um fator de risco independente para hipertensão, diabetes, doenças renais e cardiovasculares”, alerta a neurologista Leticia Azevedo Soster, especialista em Medicina do Sono do Einstein Hospital Israelita. “Isso inclui o que a gente chama de desfechos duros, como óbito ou eventos cardiovasculares graves.”

Dormir mal ainda pode agravar fatores cardiovasculares e metabólicos, tornando tratamentos menos eficazes, dificultando o controle da pressão arterial e acelerando a progressão de doenças. “Alguns estudos de coorte mostram que pessoas que dormem pouco ou têm o sono muito fragmentado têm maior risco de um manejo clínico mais difícil”, afirma Soster. Ela dá como exemplo a hipertensão. “Não é a apneia do sono que está determinando a hipertensão, mas o sono ruim que faz o tratamento ser mais refratário.”

Índice de sono saudável

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O estudo utilizou dados da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição dos EUA coletados entre 2015 e 2020. Trata-se de uma base nacional representativa, frequentemente usada para mapear condições de saúde em larga escala. Os cientistas classificaram os participantes em diferentes estágios da SCRM, de 0 (sem fatores de risco) a 4 (doença cardiovascular clínica estabelecida). Os estágios 3 e 4 são considerados “avançados”, pois já refletem comprometimento cardiovascular significativo.

A novidade da pesquisa foi criar um índice de sono saudável, avaliando cinco parâmetros: duração, dificuldade para dormir, sonolência diurna excessiva, ronco frequente e noctúria (levantar-se várias vezes à noite para urinar). Cada característica foi pontuada como de baixo ou alto risco, compondo uma escala que classificou os indivíduos em três grupos: alta, moderada ou baixa qualidade de sono.

Pessoas com sono de alta qualidade apresentaram risco 45% menor de estar nos estágios avançados da SCRM. Já aquelas com sono moderado eram 32% menos propensas a esse quadro, enquanto os indivíduos com sono ruim concentraram os casos mais graves.

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“Os fatores de sono que têm maior impacto são o tempo total de sono curto e a apneia obstrutiva de sono”, explica Soster. “A apneia está fortemente ligada ao quadro de pressão arterial, maior risco de arritmia e de infarto. Já o tempo total de sono reduzido – menos de seis horas – aumenta risco de diabetes tipo 2, obesidade e problemas cognitivos.”

Os autores da pesquisa são taxativos que a descoberta não significa necessariamente que um sono melhor leve a um menor risco de doença cardiovascular, uma vez que se trata de um estudo transversal. São necessários estudos longitudinais para determinar essa correlação.

Soster concorda que faltam respostas definitivas a partir de estudos longitudinais e experimentais. Ela prefere pensar na relação entre sono e doenças crônicas como um ciclo em que um retroalimenta o outro. “Quando tratamos distúrbios do sono, como a apneia, é possível melhorar o controle da pressão arterial, da glicemia e reduzir riscos cardiovasculares. Isso sugere que o sono tem um papel, não sabemos exatamente qual.”

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A análise por grupos populacionais revelou diferenças importantes: a associação entre boa qualidade do sono e menor risco de agravamento da SCRM foi ainda mais forte em negros não hispânicos e asiáticos não hispânicos, sugerindo que vulnerabilidades sociais e genéticas podem intensificar o impacto do sono na progressão da doença. Consequentemente, intervenções de saúde pública focadas podem reduzir o problema.

Brasileiros dormem mal

Dezenas de milhões de brasileiros têm noites maldormidas de forma recorrente. É o que dizem os dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que revelam que 18,6% dos adultos no Brasil relatam problemas frequentes para dormir. Na prática, isso significa impactos diretos na produtividade, no humor e, como vem mostrando a ciência, na saúde de coração, rins e metabolismo.

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Também é um problema de saúde pública — o que exige, segundo a neurologista do Einstein, uma leitura de cenário mais abrangente. Um exemplo são os longos deslocamentos urbanos e a baixa qualidade do transporte público, que obrigam as pessoas a saírem mais cedo de casa e a enfrentarem longas horas no trânsito.

“A custo de quê esse deslocamento está acontecendo? Do sono da pessoa, porque as crianças e os adolescentes não reduzem o tempo de escola, as empresas não reduzem o tempo de trabalho dos trabalhadores. Mas o trabalhador ou o estudante faz o quê? Reduz o tempo de sono”, analisa Soster.

Outro entrave está relacionado à segurança pública. Na visão da especialista, a violência urbana dificulta que as pessoas se desloquem a pé nas cidades, façam mais exercícios físicos e sejam menos sedentárias — o que contribuiria para uma boa qualidade de sono. “Ou seja, além de dormir pouco, a população dorme mal porque perde oportunidades de praticar atividade física regular, fundamental para induzir o sono natural”, explica. Ela aponta ainda a falta de acesso a serviços especializados em sono.

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Essas barreiras indicam que, no Brasil, melhorar a qualidade do sono não é apenas uma questão de disciplina individual, mas também de fatores sociais. Enquanto o estudo internacional mostra que noites bem dormidas estão ligadas a um menor risco de doenças cardiovasculares, renais e metabólicas, a realidade brasileira revela que, sem mudanças estruturais, milhões de pessoas continuarão privadas da proteção que o sono concede.

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