1.200 mortos e mais de 5.000 feridos. Os ataques do grupo terrorista Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023, há exatos dois anos, marcaram o dia mais sangrento da história do país, e o mais mortal para os judeus desde o Holocausto. Nas primeiras horas da manhã, uma barragem de pelo menos 4.300 foguetes foram lançados contra o território israelense, enquanto 6.000 combatentes violaram a barreira na fronteira com a Faixa de Gaza, em incursões que incluíram parapentes motorizados. Bases militares e comunidades civis foram massacradas sem distinção. Pelo menos 21 kibutzim, incluindo Be’eri, Kfar Aza, Nir Oz, Netiv Haasara e Alumim, foram invadidos, depravados e incinerados. O trauma daquele dia ainda é palpável em Israel. Mas o drama mais presente, que ainda consome dezenas de famílias, é o dos reféns.
No 7 de outubro, 251 pessoas foram sequestradas. A maioria delas voltou para casa, com ou sem vida, por meio de dois acordos de cessar-fogo temporário entre Israel e Hamas. Mas 48 seguem em cativeiro, vinte das quais acredita-se estarem vivas. Os rostos dos que seguem em posse dos terroristas estão estampados em pontos de ônibus por todo o país, e há protestos quase todos os dias no local batizado de Praça dos Reféns, em Tel Aviv, exigindo maiores esforços do governo para selar um trato que liberte seus entes queridos.
Pouco mais de um ano atrás, VEJA conversou com familiares de Michel Nisembaum, o único brasileiro que estava entre os sequestrados do 7 de outubro. Depois de quase oito meses desaparecido, ele foi confirmado morto, aos 59 anos, e seu corpo foi finalmente devolvido à família para os ritos fúnebres. “Pude finalmente viver o luto”, explicou sua irmã, Mary Shohat.
“Enterrar Michel foi a coisa mais difícil que já fiz. Além de ser sua irmã mais velha, era como uma segunda mãe. Na infância, o levava para passear, dava de comer, o consolava quando chorava, e aquelas cenas voltaram todas à memória. Ao partir de Niterói rumo a Israel, eu aos 17 anos e ele com 10, fui sua única responsável por um ano, até que nossa mãe também veio, todos nós em busca de uma vida melhor. Por mais terrível que tenha sido ouvir aquelas palavras — ‘Michel está morto’ —, foi uma espécie de alívio descobrir o que aconteceu, ainda que o ponto-final seja tão profundamente doloroso.”
Antes, sua filha, Hen Mahluf, 35 anos, havia compartilhado que o pai chegou a ficar sabendo dos ataques e até conseguiu ajudar uma pessoa a escapar, que hoje está viva e em casa. “Cheguei a ficar irritada com ele por isso. Por que salvou alguém, e não conseguiu se salvar?”, questionou ela em entrevista a VEJA. “Mas meu pai era assim. Todo mundo vinha antes.”
“O pior que poderia ter acontecido, aconteceu. E não acabou. Mas vamos sair dessa, porque não há outra alternativa. Acredito que meu pai não gostaria que eu ficasse em casa, chorando, com a vida em stand-by. Todos têm que escutar sobre o que aconteceu no dia 7 de outubro. Aconteceu conosco, mas pode acontecer com qualquer pessoa no mundo. É como o Holocausto: se não falarmos sobre essa tragédia, abrimos espaço para que pessoas questionem se, de fato, aconteceu, como ocorre até hoje.”
Michel foi encontrado sem vida em Gaza, junto a corpos de outros dois reféns, e foi identificado por meio de testes de DNA, radiografias dos dentes e dos ossos. Segundo Mary, no fatídico dia 7, quando soaram os alarmes de ataques aéreos, o genro de Michel, que é militar, pediu que ele fosse de Sderot, onde mora, no sul de Israel, para Ashkelon, a 70 quilômetros de distância, para ficar com uma das netas, porque era requisitado. Naquele momento, ninguém sabia que se tratava de uma invasão. Então, ela telefonou ao irmão, e quem atendeu foi um terrorista. Ele disse, em árabe: “O Hamas está aqui, o Hamas está em Israel!”
De acordo com o relato que Mary ouviu das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), seu irmão ajudou um casal que não conhecia a região a achar um lugar seguro para ficar. Mas não conseguiu chegar à casa da neta; morreu baleado no percurso. Seu corpo, então, foi levado para o enclave.
Nos oito meses seguintes, a família foi procurada pelas forças de segurança duas vezes: no dia em que acharam o carro de Michel incendiado e, depois, quando um geolocalizador indicou que seu computador estava em Gaza. Mary e Hen mantiveram a esperança até o fim. Com a notícia da morte, ambas decidiram dar uma pausa no ativismo pela volta dos reféns, que as levou de Israel para Argentina, Uruguai e Brasil. Mas foi só temporário; ambas disseram que voltariam à ativa. “Para continuar vivendo em meio a este pesadelo, preciso falar. Falo muito. Para quem quer escutar, eu falo. É vital deixar esse tema dos sequestrados sobre a mesa. Se pusermos o assunto de lado por um minuto, pode desaparecer do foco”, resumiu Hen.