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Do papel ao ouro: exposição em Paris revelou bastidores da alta joalheria

A coleção do Museu do Petit Palais, em Paris, abriga mais de 5 mil desenhos históricos criados para a produção de joias de alto nível por casas como Cartier e Boucheron. A exposição Dessins de bijoux, les secrets de la création apresentou pela primeira vez na França esses desenhos, que são verdadeiras obras de arte. Embora parte deles já tenha sido exibida no Japão, Itália e Estados Unidos, nunca haviam sido mostrados em seu país de origem.

A ideia da mostra surgiu durante uma inspeção obrigatória dos depósitos do museu. Por exigência do governo francês, a cada dez anos os museus revisam suas coleções para avaliar a necessidade de restauração e atualizar o inventário. Ao se deparar com cerca de 5 mil desenhos que, em sua maioria, jamais haviam sido exibidos, a curadora Clara Roca concebeu o conceito da exposição: revelar o processo detalhado de criação das joias, desde a segunda metade do século XIX até meados do século XX, por meio de desenhos que vão de esboços a representações finalizadas em escala real .Esses desenhos funcionavam como modelos para aprovação dos clientes, permitindo ajustes de tamanho, substituição de pedras e outros detalhes. Algumas obras expostas ainda apresentam anotações originais com medidas e pedidos de modificação.

Segundo a curadora Clara Roca, mesmo especialistas da alta joalheria muitas vezes desconhecem a existência e relevância dessa coleção, que pode ser consultada para estudo. Isso reforça a importância da mostra, cujo valor vai além do período em cartaz no Petit Palais. Outro destaque da coleção de desenho de joias do Petit Palais é a presença de dois acervos completos de artistas pouco conhecidos, mas com enorme talento e legado: Pierre-Georges Deraisme (1859–1932), colaborador de René Lalique, e Charles Jacqueau (1885–1968), artesão da Cartier. Há também obras de joalherias que desapareceram completamente, sendo os desenhos seu único registro histórico.

Organizada em diferentes seções, a exposição destacou como esses desenhos, muitas vezes esquecidos, são obras de arte por si só. Em certos casos, os artistas vendiam apenas os desenhos, e muitas peças jamais foram produzidas, como um pingente desenhado por Charles Jacqueau para a Cartier. Outras se perderam com o tempo, tornando os registros em papel os únicos vestígios da criação. O uso de papel colorido, técnicas para representar transparência, brilho e volume das pedras preciosas revelam o caráter artístico e sensível dessas composições.

Charles Jacqueau (1885-1968) para Cartier, Pingente
Charles Jacqueau (1885-1968) para Cartier, Pingente, início dos anos 1910, grafite, gouache e tinta preta em papel translúcido.Paris Musées / Petit Palais, Museu de Belas-Artes da Cidade de Paris//
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Por serem extremamente frágeis, os desenhos em papel não podem ficar expostos por muito tempo. “Cada segundo de exposição à luz contribui para sua degradação irreversível”, diz Clara Roca. O limite de luz permitido é de 50 lux. Por isso, a exposição adotou estratégias específicas e cuidadosas para a preservação das obras.

A exposição foi dividida em quatro núcleos:
1. As fontes de inspiração, da natureza às artes de diferentes culturas;
2. Os processos técnicos envolvidos na criação das joias;
3. Comparações entre os desenhos e as peças produzidas;
4. A longevidade dos desenhos como inspiração contemporânea e testemunhos de criadores esquecidos.

A cenografia da exposição foi feita de forma criativa, permitindo com que o visitante se sentisse dentro de um ateliê de joias: bancadas inclinadas lembravam as mesas dos artesãos, enquanto áreas com iluminação estratégica favoreciam a apreciação do brilho das pedras, especialmente dos diamantes preservados por mais de um século.

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Na primeira seção, o visitante encontrava estudos minuciosos da natureza, que inspiraram obras como um pente baseado em um modelo de Eugène Grasset (1845-1917), representando cisnes e nenúfares. Embora o desenho preparatório original tenha se perdido, um outro estudo ainda sobrevive e foi exibido na exposição. O pente, feito de marfim, ouro e esmalte, revela a união entre observação científica da natureza e imaginação onírica, comum a muitos artistas da mostra, como o próprio René Lalique, que transitava entre a joalheria e outras artes decorativas.

Vever Frères, inspirado em um modelo de Eugène Grasset, Pente ‘Cygnes et nénuphars’, circa 1900.
Vever Frères, inspirado em um modelo de Eugène Grasset, Pente ‘Cygnes et nénuphars’, circa 1900.Paris Musées / Petit Palais, Museu de Belas-Artes da Cidade de Paris//
Georges Callot, Dessin d'après le peigne ‘Cygnes et nénuphars’, circa 1900.
Georges Callot, Dessin d’après le peigne ‘Cygnes et nénuphars’, circa 1900.Paris Musées / Petit Palais, Museu de Belas-Artes da Cidade de Paris//
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René Lalique também explorava criativamente os elementos naturais. Em um pingente inspirado na anêmona-dos-bosques, flor que se abre ao menor sopro de vento, usou materiais translúcidos para capturar sua fragilidade.

René Lalique (1860-1945), Pingente ‘anémona-dos-bosques’, circa 1900, ouro, diamantes, esmalte e pasta de vidro.
René Lalique (1860-1945), Pingente ‘anémona-dos-bosques’, circa 1900, ouro, diamantes, esmalte e pasta de vidro.Paris Musées / Petit Palais, Museu de Belas-Artes da Cidade de Paris//

Além da natureza, obras do período renascentista também influenciaram os artistas. Pierre-Georges Deraisme, por exemplo, inspirou-se em gravuras de Daniel Mignot, ativo entre 1593 e 1596.

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Daniel Mignot (ativo entre 1593-96), Página de título: grande pingente, duas figuras imaginárias aladas na parte inferior, gravura.
Daniel Mignot (ativo entre 1593-96), Página de título: grande pingente, duas figuras imaginárias aladas na parte inferior, gravura.National Gallery, Washington DC//

Ao final da visita, uma seleção de joias raras da coleção permanente do museu ampliava o impacto da exposição. Entre elas, destacava-se um broche elaborado entre 1880 e 1889, feito com ouro, platina, prata, pedras preciosas e penas, exemplo da imaginação e engenhosidade técnica dos artistas e artesãos da época.

Debut et Coulon, broche, adorno de cabeça, entre 1880 e 1889, ouro, platina, prata, pedra preciosa e pedra fina, material de origem animal.
Debut et Coulon, broche, adorno de cabeça, entre 1880 e 1889, ouro, platina, prata, pedra preciosa e pedra fina, material de origem animal.Petit Palais, Museu de Belas-Artes da Cidade de Paris//

Algumas obras da mostra têm conexão direta com a história do próprio Petit Palais. Artistas como Deraisme e Lalique participaram da Exposição Universal de 1900, na qual Lalique ganhou medalha de ouro. O prédio que hoje abriga o museu foi construído para esse evento e, em 1902, tornou-se oficialmente um museu de belas-artes. Com obras de Rembrandt, Monet e Cézanne em sua coleção permanente, o museu vem investindo em exposições que revelam os bastidores da criação artística, e Dessins de bijoux, les secrets de la création é mais um capítulo brilhante dessa história.

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