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Do panda à IA: parques nacionais da China usam alta tecnologia para moldar o ecoturismo

Em trilhas densas de mata ou em desfiladeiros de pedra, turistas que exploram parques nacionais em regiões como Chongqing ou Sichuan estão sendo acompanhados, silenciosamente, por sensores enterrados no solo, câmeras de alta definição com reconhecimento facial e sistemas de inteligência artificial capazes de antecipar comportamentos.

Essa paisagem de vigilância ambiental, que mais parece ficção científica, é uma realidade crescente na China. De modo quase invisível, o país está transformando suas reservas naturais em espaços de alto controle e automação.

A reportagem de VEJA percorreu o Parque das Três Gargantas e o Parque das Três Pontes para ver de perto o funcionamento do jeito chinês de administrar.

Em vez de guardas e placas, o fluxo dos visitantes é orientado por algoritmos que detectam aglomerações, controlam entradas e até reprogramam rotas de acesso em tempo real.

A digitalização da experiência ambiental é promovida como ferramenta de conservação e segurança. mas também levanta dúvidas sobre o limite entre conexão com a natureza e controle.

A tecnologia aplicada ao ecoturismo é parte estratégica da política de “civilização ecológica”, conceito amplamente promovido por Xi Jinping desde seu discurso no 18º Congresso do Partido Comunista em 2012.

Trata-se de uma diretriz que conecta desenvolvimento econômico com restauração ambiental, colocando a natureza no centro da construção da nova imagem global da China.

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Os parques inteligentes são vitrine desse plano: representam não só o esforço de preservação como também um modelo exportável de gestão ecológica com eficiência tecnológica.

Em discursos oficiais, Xi reforça que “as montanhas verdes são montanhas de ouro”, defendendo que a proteção ambiental pode ser compatível, e até complementar, ao crescimento econômico.

Nesse sentido, o ecoturismo orientado por IA serve tanto à política climática quanto à diplomacia verde chinesa, uma forma de mostrar ao mundo que é possível conciliar prosperidade com controle ambiental.

Parque das Três Pontes, em Wulong, no interior da China: tecnologia controla fluxo de turistas
Parque das Três Pontes, em Wulong, no interior da China: tecnologia controla fluxo de turistasErnesto Neves/VEJA

Um dos exemplos mais emblemáticos dessa fusão entre natureza e algoritmo é o Parque Nacional de Wulingyuan, na província de Hunan, onde trilhas escarpadas entre colunas de pedra inspiraram os cenários do filme Avatar.

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Lá, sensores subterrâneos mapeiam os padrões de pisoteamento para identificar erosões, enquanto sistemas de IA otimizam o número de visitantes em tempo real.

Já em Chongqing, no parque florestal de Jinfo Mountain, turistas recebem QR codes que orientam o passeio conforme suas preferências, trilhas mais vazias, tempo estimado de caminhada, alertas meteorológicos e até spots para fotos.

Em algumas áreas, drones sobrevoam as copas das árvores com sensores térmicos para monitorar o impacto humano em tempo real.

Esses dados são cruzados por plataformas urbanas que integram desde o turismo até o planejamento de transporte, numa lógica de “cidades-parques inteligentes”.

Em entrevista à revista científica Nature Sustainability, o pesquisador Zhao Yu, do Instituto de Pesquisa de Planejamento Ambiental da China, afirma que os parques inteligentes representam uma “segunda geração de áreas protegidas”, nas quais a coleta de dados é contínua e orientada à tomada de decisões em tempo real.

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“No passado, sabíamos o que acontecia nas trilhas com base em observações esporádicas. Hoje temos mapas térmicos, contagem automática de visitantes, algoritmos que detectam riscos antes que eles aconteçam. Isso muda completamente a lógica da conservação.”

Segundo Zhao, esse modelo pode ser replicado em outras regiões do planeta onde a pressão turística ameaça ecossistemas frágeis.

A chave, diz ele, está em integrar sensores ambientais, inteligência artificial e infraestrutura digital desde o planejamento do parque, não apenas como um complemento posterior.

A digitalização também permite personalizar a experiência do visitante e distribuir o fluxo turístico de maneira mais equilibrada, aliviando pontos de sobrecarga e reduzindo impactos ecológicos.

Parque das Três Gargantas, em Fengjie, na China
Parque das Três Gargantas, em Fengjie, na ChinaErnesto Neves/VEJA
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Em Jiuzhaigou, famoso parque natural em Sichuan com lagos cristalinos e florestas alpinas, sistemas preditivos baseados em big data ajudam a antecipar picos de visitação.

Com isso, as autoridades podem limitar reservas online em horários críticos, reorganizar horários de ônibus e até fechar certas trilhas para regeneração ambiental, tudo sem causar frustração ao público.

Para o especialista James Hardcastle, diretor do Programa de Áreas Protegidas da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN), esse tipo de inteligência territorial é fundamental diante das mudanças climáticas.

“Estamos entrando numa era em que parques naturais precisam de respostas dinâmicas. A tecnologia usada pela China pode acelerar essa transição em lugares como a Amazônia, os Alpes ou o Serengeti.”

Ao transformar parques em plataformas tecnológicas, a China também aposta na educação ambiental por meio digital.

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Aplicativos integrados com realidade aumentada oferecem informações em tempo real sobre espécies nativas, interações ecológicas e história geológica dos locais.

Crianças podem apontar o celular para uma árvore e ver na tela os pássaros que ali habitam, enquanto adultos são incentivados a calcular a pegada de carbono do passeio e a compensá-la com doações automatizadas.

A China lançou oficialmente sua rede nacional de parques em 2021, com o objetivo de proteger os ecossistemas mais valiosos do país e tornar-se uma referência global em conservação ambiental.

Os primeiros cinco parques nacionais — Sanjiangyuan, Wuyishan, Giant Panda, Northeast Tiger and Leopard, e Hainan Tropical Rainforest — cobrem uma área de mais de 230 mil km², maior do que o território do Reino Unido.

A meta do governo é que os parques funcionem como “linhas vermelhas ecológicas”, limitando a expansão urbana e agrícola em regiões de alta biodiversidade.

Segundo o governo chinês, cerca de 30% das espécies protegidas da China vivem dentro desses parques, que também servem como laboratórios vivos para experimentos com tecnologias verdes, manejo sustentável e turismo ecológico controlado.

Até 2035, a China planeja expandir essa rede para incluir dezenas de novos parques, conectando conservação ambiental com desenvolvimento econômico de baixo carbono.

Entrada do Parque Nacional das Três Gargantas, em Chongqing, um dos símbolos da nova rede de conservação ambiental criada pelo governo chinês
Entrada do Parque Nacional das Três Gargantas, em Chongqing, um dos símbolos da nova rede de conservação ambiental criada pelo governo chinêsErnesto Neves/VEJA
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