Se alguém me dissesse, aos 13 anos, quando ganhei minha primeira e gloriosa máquina de escrever, que um dia eu escreveria usando uma tela de vidro e teclado, eu teria dado uma boa gargalhada. Mesmo quando já dava meus primeiros passos como escritor. Escrevia peças pavorosas com cenas hiperdramáticas, na esperança de um dia criar a sonhada obra-prima. Mas a verdade é que comecei antes, bem antes, no mais puro estilo vintage: com caderno de caligrafia, bico de pena. Sim, eu preenchia aquelas páginas de garranchos cuidadosamente planejados (minha letra sempre foi horrorosa). A cada linha, o desafio era o mesmo: não borrar. Um espirro fora de hora podia transformar um romance apaixonado em suspense psicológico. O tinteiro era meu maior inimigo. Bastava um descuido e lá estava eu, com os dedos manchados de azul, parecendo ter brigado com um polvo mal-humorado. Aos 13 anos aconteceu a grande virada. Ganhei de papai minha primeira máquina de escrever. Comprada a prestação, com dificuldade e coragem, com seu diminuto salário de ferroviário. Foi como ganhar o Oscar. Lembro dos barulhos das teclas: tac, tac, tac… ding! (Sim, tinha o “ding” a cada nova linha. Quem viveu sabe).
Cada página escrita era um triunfo. As letras surgiam como mágica no papel e mesmo os erros, corrigidos penosamente com corretivos, tinham um charme todo especial. Foi com ela que escrevi meus primeiros contos, peças, roteiros de audiovisual imaginários… (porque verba pra fazer não existia). E… ai de mim, confesso… muitas declarações de amor nunca enviadas.
“Há algo que não mudou e nunca vai mudar: a vontade de contar histórias. Essa, nem o wi-fi derruba!”
O tempo passou, vieram os computadores. No começo, resisti. Primeiro, porque não tinha dinheiro para comprar um. Mas também acreditava que o romance exigia suor, esforço físico, calos nos dedos. Logo me rendi. Verdade seja dita: fui o primeiro do meu círculo de relacionamentos a ter um computador pessoal. Digitar sem precisar trocar a fita, sem fazer barulho irritante para os vizinhos, corrigir um parágrafo inteiro sem fazer um buraco no papel? Era o paraíso!
Então… veio a internet. O e-mail. Os arquivos.doc. O terror de sumir tudo com um clique errado. Já perdi capítulo de novela, já reescrevi cenas inteiras por causa de um travamento. Mas continuei. E cá estou eu hoje, escrevendo direto do celular enquanto espero o café esfriar. Os dedos deslizam na tela como se fossem pianistas aposentados tentando lembrar uma sonata.
Evolução é isso, não? Escrever a mão saiu do meu radar. Minha letra virou um hieróglifo. Quando preciso assinar um contrato, parece que estou desenhando um mapa do tesouro perdido. E o futuro, quem sabe? Daqui a pouco, eu talvez só pense uma história… e ela se materialize direto numa nuvem digital. Talvez, nem isso. Vai saber se um dia minhas ideias não irão diretamente para o streaming, sem passar por papel, tela ou tecla.
O importante é que, do bico de pena ao touch screen, há algo que não mudou e não mudará nunca: a vontade de contar histórias. Essa, nem o wi-fi derruba!
Publicado em VEJA de 20 de junho de 2025, edição nº 2949