Episódios como a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro e o patético caso da tornozeleira eletrônica, além dos rompimentos entre lideranças do governo e do Congresso Nacional, mostram que a política brasileira passou a ser interpretada em chaves cada vez mais emocionais. Não apenas o cidadão comum, mas também as elites — poderes da República, imprensa, agentes econômicos — operam dentro de um quadro de distorções cognitivas agravadas por excessivo emocionalismo.
Distorções cognitivas são atalhos mentais que simplificam a realidade de forma enganosa. No lugar de nuances, prevalece o pensamento automático: “se aconteceu uma vez, é sempre assim”; “se não é totalmente bom, é totalmente ruim”. Na política, as redes sociais e a disputa por atenção amplificam esse fenômeno, transformando o debate em torcida organizada.
Duas distorções tornaram-se especialmente visíveis: a supergeneralização e a radicalização. A supergeneralização faz casos específicos parecerem regras universais: “todo bolsonarista é fascista”, “todo lulista é comunista”, “todo político é ladrão”. Adversários viram blocos homogêneos e análises ficam empobrecidas. No mercado, decisões seguem narrativas e identidades, não fatos ou técnica. O resultado é um ambiente em que moderados são empurrados para os extremos, e caricaturas substituem a reflexão.
“Pensar como adulto implica aceitar a complexidade e abandonar as certezas absolutas”
A radicalização opera na lógica do “tudo ou nada”. Debates sobre segurança pública, anistia ou reforma tributária deixam de ser sobre o mérito e viram batalhas morais. Propostas passam a ser “a salvação” ou “a destruição”, dependendo apenas de quem as apresenta. O efeito é conhecido: paralisia decisória, insegurança jurídica e políticas que duram até o governo seguinte.
Há razões estruturais para isso: a comunicação política se baseia em simplificações e frases de efeito que rendem mais do que análises complexas. A mídia opera sob a lógica da atenção, premiando manchetes fortes e embates binários que geram audiência. Existe também uma captura cognitiva pela identidade de grupo — quem apresenta nuances ou questiona consensos sofre custos sociais. Por fim, as instituições privilegiam lealdade e não análise crítica.
As consequências são sistêmicas: as coalizões se tornam instáveis; a volatilidade institucional aumenta; a confiança nas instituições deteriora; o jornalismo cede à simplificação; prosperam demagogos ao invés de estadistas; e desafios prementes para a cidadania se perdem no tumulto da guerra das narrativas.
O Brasil precisa amadurecer seu debate político. Isso não significa eliminar paixões, mas distinguir paixão de distorção, discordância de demonização. Democracias funcionam quando sociedades conseguem diferenciar um caso de uma regra, uma crítica específica da rejeição total, adversários de inimigos.
Supergeneralização e radicalização não são inevitáveis. São escolhas — inconscientes, porém reversíveis. Exigem educação para o pensamento crítico, reformas que reduzam incentivos à polarização e lideranças que ofereçam exemplo. Pensar a política como adulto implica aceitar a complexidade e abandonar o conforto das certezas absolutas. A pergunta é se e quando teremos maturidade coletiva para isso.
Publicado em VEJA de 28 de novembro de 2025, edição nº 2972