A ciência busca, cada vez mais, meios de identificar o Alzheimer antes dos primeiros esquecimentos atrapalharem a vida diária — afinal, a doença cresce em níveis exponenciais e quase sempre é descoberta nos estágios avançados. Um novo estudo, publicado na revista Radiology, aponta um caminho possível: um tipo especial de ressonância magnética que detecta o acúmulo de ferro em regiões específicas do cérebro.
Segundo os pesquisadores, níveis elevados desse metal no córtex entorrinal – uma espécie de acesso para o hipocampo, que ajuda a formar e organizar lembranças – e no putâmen – parte dos gânglios da base, áreas profundas do cérebro envolvidas no controle de movimentos, hábitos e aprendizado motor – dobraram, e em alguns casos triplicaram, o risco de pessoas saudáveis desenvolverem comprometimento cognitivo leve (MCI, na sigla em inglês), considerado a “porta de entrada” para doenças neurodegenerativas como o Alzheimer.
A pesquisa acompanhou 158 idosos, com uma média de 69 anos, e cognitivamente normais por quase oito anos. No início, todos realizaram uma ressonância especial chamada mapeamento por suscetibilidade magnética (QSM, na sigla em inglês), capaz de medir a quantidade de ferro nos tecidos cerebrais. Além disso, a maioria (110 voluntários) também fez um PET scan com Pittsburgh compound B, exame que identifica o acúmulo de placas de beta-amiloide, proteína comumente associada ao Alzheimer.
Quais foram os resultados?
Do grupo total, 27 participantes evoluíram para declínio cognitivo ou demência ao longo do acompanhamento. Entre eles, a presença de ferro elevado em regiões como o córtex entorrinal se mostrou um forte preditor da piora cognitiva. Nos voluntários que também tinham acúmulo de placas de beta-amiloide, o risco foi ainda maior. Quando havia apenas o ferro, o risco era duas vezes maior. Já a junção de ferro mais beta-amiloide elevou o risco para 3,6 vezes maior.
O ferro, explicam os autores, é essencial para o funcionamento do cérebro e do corpo como um todo, mas em excesso dentro de certas regiões cerebrais pode ser tóxico. Ele gera estresse oxidativo, atrapalha o metabolismo da proteína TAU e potencializa os danos causados pela beta-amiloide, principais responsáveis pelo desenvolvimento do Alzheimer.
É importante destacar que isso não tem relação com a quantidade de ferro que se ingere na dieta, como carnes, feijão ou vegetais verdes — esses alimentos continuam importantes para a saúde. O que o estudo mede é o ferro que se acumula de forma anormal no cérebro ao longo do tempo, algo que acontece em níveis microscópicos e não é influenciado diretamente pelo que se come.
“Nosso objetivo é identificar alterações cerebrais relacionadas ao Alzheimer que ocorrem anos antes de perdas significativas de memória”, disse Xu Li, líder do estudo e pesquisador do Instituto Kennedy Krieger. “Se conseguirmos detectar essas alterações precocemente e identificar melhor os pacientes com maior risco de desenvolver Alzheimer, teremos mais chances de retardar ou até mesmo prevenir a progressão por meio de terapias direcionadas.”
O estudo é um dos primeiros a mostrar que a ressonância magnética QSM, uma ferramenta já acessível em muitos hospitais, pode sinalizar pessoas com maior risco de Alzheimer com anos de antecedência. Os pesquisadores afirmam que ela também pode ser usada para inscrever os participantes certos em ensaios clínicos e monitorar se novos tratamentos estão funcionando. Ter o ferro como mais um biomarcador, defendem os pesquisadores, é mais uma forma de ver aqueles pacientes com risco ainda mais acentuado. “Esta tecnologia está nos fornecendo um novo mapa do cérebro, mostrando biomarcadores importantes relacionados ao Alzheimer antes que ele se instale”, disse Li.
Promissor, mas há limitações
Apesar de promissor, o estudo apresenta algumas limitações. A amostra foi relativamente pequena e formada principalmente por pessoas brancas e com alta escolaridade, o que reduz a possibilidade de aplicar os resultados a toda a população. Além disso, o ferro foi medido apenas uma vez, no início do estudo, o que não permite afirmar com certeza se seu acúmulo antecede o declínio cognitivo ou se ocorre como consequência de alterações iniciais no cérebro.
Outro ponto é que a técnica usada, a QSM, embora sensível ao ferro, não é totalmente específica: outros fatores, como pequenas hemorragias ou depósitos de cálcio, também podem influenciar o sinal. Ou seja, ferro alto não significa automaticamente que a pessoa terá Alzheimer.
Em resumo, o estudo abre uma pista promissora para a detecção precoce do Alzheimer e pode servir de base para novas pesquisas. Trabalhos futuros, com grupos maiores, mais diversos e acompanhamentos repetidos, são algumas das peças que faltam para confirmar se o ferro realmente pode ser usado como marcador confiável. Segundo Xu Li, ele e equipe pretendem continuar acompanhando os participantes para entender melhor como o ferro cerebral e outras alterações biológicas se combinam para causar perda de memória e como esses processos podem ser alvo de estratégias de prevenção.