A segunda edição da revista ESG Insights, lançada hoje (21/10), traz uma reflexão interessante sobre o quanto o acesso a direitos básicos para todos pressupõe também cidades humanas, acolhedoras e ecologicamente equilibradas. Não dá para falar de garantia de direito à saúde, educação e alimentação sem pensar sobre isso.
Em uma entrevista exclusiva para a publicação, disponibilizada gratuitamente no site ESG Insights, o urbanista franco-colombiano Carlos Moreno lembra, por exemplo, que é preciso otimizar o tempo de deslocamento na cidade, a fim de garantir o acesso aos direitos.
Criador do conceito da cidade de 15 minutos – que visa reduzir o uso de carros e incentivar um modelo em que cada bairro garantisse um conjunto de infraestrutura capaz de suprir as necessidades do dia a dia de seus moradores em menor tempo –, Moreno diz que a equidade é fundamental para a sua implementação. “Trata-se de um conceito baseado em um novo modelo de acesso aos serviços essenciais, a fim de melhorar a qualidade de vida em vez de gastar muito tempo para acessar diferentes atividades em longa distância”, afirma.
A mobilidade nas grandes cidades brasileiras é um constante desafio. Um levantamento divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela que 36% dos trabalhadores gastam mais de uma hora no transporte em suas jornadas diárias. Outros 21% chegam a ficar entre uma e duas horas no transporte, 7% gastam entre duas e três horas e 8% perdem mais de três horas.
Hoje, segundo Moreno, cerca de 20% da população mundial vive em assentamentos informais, em moradias extremamente precárias. “Essa política, baseada na proximidade, é uma forma estratégica de oferecer mais serviços às pessoas que vivem em locais assim”, diz ele.
Para o urbanista, essas pessoas enfrentam uma “dupla punição”, com moradias precárias e muito tempo em deslocamentos longos para acessar serviços essenciais. Combater a segregação faz parte das propostas da cidade de 15 minutos em regiões periféricas.
AQUECIMENTO GLOBAL NÃO É O MESMO PARA TODOS
A questão da equidade passa hoje também pela crise climática e o seu impacto diferenciado em comunidades vulneráveis. O aquecimento global é real, mas não é o mesmo para todos.
De acordo com o estudo Racismo ambiental e justiça socioambiental nas cidades, do Instituto Pólis, os grupos mais ameaçados e que mais sofrem com as consequências do aumento de eventos climáticos extremos são pessoas negras, de baixa renda e que habitam regiões periféricas, sobretudo mães chefes de família.
Dados do recém-lançado Panorama Climático das Favelas e Comunidades Invisibilizadas, da ONG Teto Brasil, em parceria com o Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper, dão conta que 60% das favelas não possuem obras de contenção para desastres ambientais e 70% das comunidades não possuem abrigos para casos de emergência climática. O cenário é grave e ainda mais preocupante se considerarmos que 86% das comunidades brasileiras enfrentaram eventos climáticos extremos no último ano, de acordo com a pesquisa.
Em entrevista à revista ESG Insights, Ester Carro, arquiteta, ativista e presidente do Instituto Fazendinhando, explica que muitas moradias da periferia não têm iluminação e ventilação mínima, o que potencializar o calor, além de apresentarem mofo e condições de insalubridade. “Essa desigualdade territorial e socioambiental se reflete em um impacto na saúde. Vemos um número alto de doenças, inclusive respiratórias, entre as pessoas que vivem na favela”, relata.
Segundo a arquiteta, os moradores buscam estratégias que estão ao seu alcance para driblar alguns desses efeitos e resistir ao impacto das mudanças climáticas, mesmo que de forma improvisada. Muitos deles criam hortas nos quintais, nas vielas ou mesmo nos telhados, para ter algum tipo de contato com o verde. Outros pintam as residências de branco para ameninar a temperatura e tornar o ambiente mais fresco. “É uma luta constante pela sobrevivência”, diz.
Como viabilizar um caminho humanístico para as grandes cidades, que leve em conta o acesso aos direitos para todos? Essa é uma questão que ainda está sem resposta no Brasil.
Em artigo à revista ESG Insights, Fabienne Schiavo, consultora da Unesco em Cidades Inteligentes e Sustentáveis, diz que o que precisamos hoje não é apenas de cidades “inteligentes”, mas de inteligência para as cidades. Inteligência que ela define como a capacidade de gestores e cidadãos de estabelecer uma ordem lógica de prioridades para investir recursos financeiros, humanos, tecnológicos e operacionais, a fim de promover o bem-estar coletivo e o desenvolvimento sustentável. Uma discussão que precisa começar logo se quisermos ter cidades sustentáveis, resilientes e justas.
* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos. Siga a colunista no Instagram.