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Deputada estadual mais famosa do Brasil tenta ganhar na política a mesma relevância das redes

Um escândalo desses que se espalham com descomunal velocidade nas redes sociais alçou Sarah Pôncio ao panteão dos influenciadores com milhões de seguidores. Até 2018, a jovem tentava conquistar a fama ostentando uma vida de luxo no circuito emergente da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, até que se viu numa trama digna de novela: grávida do segundo filho, aos 21 anos, descobriu que a cunhada também esperava um bebê. O pai, para surpresa da jovem, era seu próprio marido. Compartilhada nos mínimos detalhes, a história furou a bolha e atraiu uma onda de exposição, que ela soube capitalizar financeiramente e — por que não? — politicamente. Nas eleições de 2022, obteve 26.626 votos como deputada estadual, o que lhe garantiu um posto na fila de espera da Assembleia Legislativa fluminense, como suplente. O cargo foi conquistado há seis meses, com a saída de Tande Vieira (PP), que se elegeu prefeito de Resende nas eleições municipais de 2024. Neófita, ela tenta usar o prestígio que mantém junto aos seus 3,6 milhões de fãs para se tornar influente também no jogo de conchavos que costuma pautar a política carioca.

Com 28 anos, Sarah tornou-se a deputada estadual mais jovem da Casa. Filiada ao Solidariedade, tenta dar verniz institucional à própria trajetória no exercício de um mandato que define como “missão de vida”. Não está só na empreitada. A deputada recorre constantemente aos conselhos do pai, Márcio Pôncio, que fez fortuna ao se tornar o representante no Brasil da marca Gudang Garam, um tabaco aromatizado com cravo, também chamado “cigarro de Bali”, que já foi popular no circuito praiano frequentado pela juventude bronzeada de classe média. A venda de um produto capaz de causar dependência não foi impeditivo para que ele se dedicasse também às atividades religiosas como líder evangélico, o que acabou por lhe conferir o contraditório apelido de “pastor do cigarro”. Também afeito à política, Márcio tentou conquistar, sem sucesso, uma cadeira no Congresso Nacional como deputado federal e pretende concorrer à prefeitura de Três Rios — uma cidade de 78 mil habitantes, no interior do estado, que terá eleições suplementares em outubro e onde ele nunca morou. “Sarah não faz nada sem ouvir o pai”, garante um político próximo da família.

A família, oriunda de um bairro pobre de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, é chegada aos holofotes. O clã logo foi apelidado de “Kardashians brasileiros” — versão tropical da família americana de socialites que exibe, sem pudor, rotinas de ostentação e tragédias familiares. Da mansão de 3.000 metros quadrados na Barra, decorada com arquitetura moderna, os Pôncio disseminaram por anos mensagens de fé com foco no sucesso financeiro, em uma estética que se tornou conhecida como “teologia coaching“. A mistura de luxo, fé e polêmicas faz sucesso nas redes e alimenta o bolso da família. Sarah namorou com o modelo Bruno Krupp, que foi preso após atropelar e matar um jovem em alta velocidade, sem habilitação. O irmão da deputada, Saulo Pôncio, chegou a ser detido nos Estados Unidos, acusado de furto em uma loja.

À Justiça Eleitoral, a jovem deputada declarou mais de 2 milhões de reais em bens — incluindo quatro apartamentos e 360 mil reais em dinheiro vivo. O volume de recursos permite que a família “se arrisque” em candidaturas, mesmo diante do alto custo de uma campanha. Parte da fortuna, no entanto, está no centro de um imbróglio bilionário. Sarah e familiares respondem a um processo da Receita Federal por uma dívida de quase 1,5 bilhão de reais, relacionada à empresa de cigarros que chegou a estar registrada em seu nome. “Vou provar que essa dívida, surgida numa transição societária, não é minha nem da minha família”, afirma a parlamentar, que diz ter se desvinculado das empresas “de vez” e estar dedicada exclusivamente ao mandato.

Apesar dos entraves judiciais, ela afirma estar focada em construir uma trajetória sólida no Legislativo. Está prestes a se formar em Ciência Política por uma universidade particular e, de dentro de um gabinete decorado por um arquiteto renomado, concentra sua atuação em pautas como direitos dos animais e inclusão de pessoas com deficiência. Foi autora de um projeto para aumentar o vale-transporte de alunos da rede pública — e assim ganhou as primeiras notas na imprensa. Recentemente, se tornou a primeira mulher da “Tropa de Choque” da Alerj, grupo de deputados bolsonaristas com grande apelo nas redes sociais. No Instagram, suas agendas são meticulosamente fotografadas — sempre por seu fotógrafo particular, que também atua como assistente e melhor amigo. Segundo aliados ouvidos por VEJA, chegou à assembleia graças à força da internet. “O que me trouxe aqui não foi uma personagem, foi a minha história. A visibilidade só tem valor porque carrego um propósito com ela”, diz.

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“O que me trouxe aqui não foi uma personagem, foi a minha história”, diz Sarah Pôncio sobre a chegada à Alerj.
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Apesar da fama, Sarah afirma enfrentar resistência interna. Tímida, de voz mansa, sempre vestida com alfaiataria milimetricamente pensada e bolsas de grife, mistura postagens de lifestyle com mensagens políticas, sempre no tom que a alçou à fama. Nada a ver com o perfil típico de deputado. “Já sugeriram que eu mudasse o jeito de falar, cortasse o cabelo para parecer mais velha, usasse óculos. Como se ser mulher, jovem e autêntica me tornasse incapaz. Se eu fosse um homem num terno preto, seria aceita”, dispara ela. Nos bastidores da Alerj, avalia-se que, embora seja simpática e respeite a hierarquia da Casa, ainda tem atuação discreta e presença tímida nos debates relevantes para o estado. “Força ela ainda não tem. As articulações políticas giram mais em torno do pai”, resume uma fonte da reportagem.

O incômodo que os Pôncio provocam em alguns setores da política, no entanto, não os impediu de se aproximar do núcleo do poder. Recentemente, Sarah estreitou relações com o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar (União), candidatíssimo à sucessão do governador Cláudio Castro (PL). Em uma das agendas, acompanhou Bacellar em um giro político pelo Norte Fluminense. Enquanto os demais colegas da patota foram de van, Sarah chegou no seu helicóptero particular — brinquedo que exibe sem pudor nos stories. Pela presença VIP, ganhou pontos com o chefão da Casa. “Ela faz parte da renovação política. Muitos que criticam não acompanham seu empenho e trabalho”, disse Bacellar a VEJA.

Sarah evita profetizar sobre o futuro, mas não descarta voos mais altos. Também não quer ser rotulada como evangélica ou de direita — no caso da religião, prefere o termo “cristã”. Já o título de influenciadora, esse ela mantém com gosto: “Continuo influenciando, mas agora com outro tipo de responsabilidade”. Seus seguidores, porém, ainda parecem confusos. Desde que assumiu o cargo na Alerj, perdeu mais de 1 milhão de followers, desinteressados em sua nova trajetória. O baque, garante, não a desanima: “São só números”, diz, ciente de que para conquistar seguidores — e eleitores — o que conta, no fim, é ter uma boa história para contar. Em uma de suas postagens recentes, tomada por conteúdo político, o comentário mais curtido resume bem o dilema atual: “Influencer ou deputada?”. A pergunta deve seguir atormentando seu mandato até a próxima eleição.

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