Se você acessou alguma rede social nos últimos dias, deve ter visto que o Itaú demitiu cerca de mil pessoas numa tacada só. A decisão provocou controvérsia porque o critério central não foram metas ou entregas, mas o monitoramento dos cliques realizados nos computadores dos funcionários durante o expediente.
O caso serve para a gente apontar uma das muitas situações cotidianas em que inteligências artificiais entram em cena sem que as pessoas se deem conta. Como a empresa sabia o que as pessoas faziam? De que maneira acontece esse monitoramento?
A maior parte das nossas vidas hoje é acompanhada por máquinas programadas pra medir, antecipar e até moldar comportamentos. No caso do Itaú, entrou em cena uma interpretação algorítmica de dados de atividade digital.
É quando um software coleta rastros digitais (tempo de login, cliques, uso de programas, tempo parado, sites acessados, presença em videoconferências) e aplica regras automáticas para transformar esses números em conclusões sobre produtividade.
Não é exatamente uma observação direta do trabalho, mas uma leitura baseada em métricas. Por exemplo, se alguém ficou 40 minutos sem usar o mouse, o algoritmo pode interpretar como inatividade. Ou, se a pessoa acessou planilhas e sistemas internos por pouco tempo, isso seria um sinal de que ela está fazendo qualquer outra coisa menos trabalhar.
Acontece que essas interpretações não costumam levar em conta alguns elementos do contexto humano, como tempo gasto em reuniões, pausas criativas, ou tarefas que exigem pensar sem digitar. E aí é que a situação pode se complicar.
Para o software, cliques e acessos equivalem a trabalho. Mas, na vida cotidiana, um desenvolvedor pode escrever código offline sem gerar rastros, um estrategista pode passar horas em reunião (embora, no caso do Itaú, a empresa afirme que monitorou também o tempo empenhado nessa atividade), e um analista pode simplesmente estar aguardando a entrada de novas demandas no sistema.
O caso Itaú e as métricas de produtividade
O monitoramento no Itaú consistiu num processo de quatro meses. Missões como essa podem ser realizadas por softwares como o xOne, que registram tempo de login, períodos de inatividade, uso de sistemas corporativos e até acesso a sites.
Empresas brasileiras recorrem também a ferramentas como Hubstaff, Time Doctor, Tangerino, Kickidler ou ActivTrak para monitorar equipes remotas. Cada uma com suas particularidades, elas partem da mesma premissa: transformar rastros digitais em métricas de eficiência.

Em casos extremos, havia registro de apenas 20% de atividade digital em um dia. O resultado foi uma lista de cerca de 2 mil empregados sob suspeita, metade justificada pelos gestores (e punida com advertência), outra metade desligada.
Recrutar algoritmos para esse monitoramento tem, obviamente, seu lado bom e suas armadilhas. Entre os prós a gente pode listar números objetivos, relatórios que facilitam a gestão de times grandes e a integração com sistemas de RH. Além de serem fundamentais para a manutenção do sistema de home office, que beneficia muitos profissionais. Entre os contras, redução da produtividade a cliques de mouse, risco de injustiças em áreas criativas ou estratégicas, ambiente de desconfiança e impacto direto na saúde mental.
Do ponto de vista legal, as empresas podem recorrer a esse monitoramento, desde que previsto em contrato e comunicado de maneira clara. Mas é preciso ter cautela para isso não resvalar na vigilância que cria um clima péssimo entre os trabalhadores. Por mais que, como comentei acima, a vida contemporânea seja altamente monitorada, isso se torna especialmente incômodo quando a gente SABE que pode haver alguém olhando.
No fundo, a questão é menos tecnológica e mais filosófica: queremos algoritmos que contem cliques ou modelos que avaliem entregas? O caso do Itaú deixa um alerta. A interpretação algorítmica de dados de atividade digital pode até gerar números convincentes, mas corre o risco de se tornar uma régua torta, incapaz de medir o que realmente importa no trabalho humano.