No Brasil, quem pode, tem plano de saúde, escola particular, carro blindado, segurança privada, quarto do pânico…
O Brasil também é um país de quem não pode e depende do SUS, do ensino público e da polícia. O país, sem duvida, seria muito pior sem SUS, ensino público e segurança pública.
O problema, no entanto, é que o país é governado invariavelmente por quem pode. E o país de quem “pode” muitas vezes escolhe ignorar o que se passa no país daqueles sem opção.
É no meio desse fenômeno social que se dá o polarizado debate sobre segurança pública, com conclusões prontas na esquerda e na direita.
Deve o Brasil considerar as facções criminosas que aterrorizam milhões de brasileiros país afora organizações terroristas?
Quem é contra diz que essa mudança na lei limitaria a ação da Polícia Federal, abriria as portas do Brasil para ações dos Estados Unidos e também prejudicaria os negócios, expondo a multas e outras medidas empresas que pagam propina ao crime.
Quem é a favor, considera que o Estado paralelo existente dentro do Brasil há muito tempo deixou de ser crime comum para virar terror. Especialistas avaliam que as facções brasileiras não são terroristas. Adotam, em alguns casos, métodos de terror, mas não se movem como terrorismo ideológico.
Na edição de VEJA que está nas bancas, os repórteres Ricardo Ferraz, Anita Prado, Ludmilla de Lima e Heitor Mazzoco mostram que 28,5 milhões de brasileiros vivem nesse Estado paralelo onde a lei é a do crime, onde há pena de morte, impostos extorsivos e onde vale a lógica do fuzil e da tortura, do abuso…
Os políticos decidiram mergulhar nesse assunto nos últimos dias, desde que as forças de segurança do Rio de Janeiro realizaram uma grande operação para prender integrantes do Comando Vermelho. A guerra ganhou as manchetes do mundo todo com os mais de cem mortos nos complexos da Penha e do Alemão.
Quem defende a classificação das facções como terroristas diz que deseja endurecer a pena para os criminosos. Pena dura, no entanto, nunca impediu juiz de soltar bandido com habeas corpus de fim de semana e nunca evitou que os chefes das facções, ainda que presos em presídios de segurança máxima, seguissem comandando o crime que aterroriza pessoas fora da prisão.
O debate em curso expõem um Estado dividido entre quem quer continuar fingindo que o problema não existe e quem defende ideias já testadas e populistas para o mesmo problema.
O fato de Hugo Motta ter dado a relatoria do projeto antifacção a um notório bolsonarista fez com que o governo e as lideranças de esquerda partissem para a guerra. A lógica é a eleitoral. A direita sabe que Lula e o PT são vulneráveis no debate sobre segurança pública. Já o petismo quer de todo modo virar essa página derrotando o texto ou desmoralizando o trabalho do relator.
O enfrentamento ao crime organizado é um dilema que desafia o país e para o qual não há, nesse front polarizado por interesses eleitorais, nenhum plano adequado.