A ideia do chef-celebridade, que confere aos pratos uma grife tal qual ocorre no mundo da moda, tem suas raízes fincadas na perdulária corte francesa do século XVIII. Naquela época em que os reis Luíses torravam caminhões de moedas sem fazer conta, ter um cozinheiro particular virtuoso era, para além da garantia de lautas refeições, um sinal de status. Quando a Revolução Francesa pôs a Bastilha abaixo, e com ela a gastança real, os mestres do fogão criaram seus próprios estabelecimentos, sedimentando o advento dos restaurantes. Aí a humanidade caminhou, reinventando o conceito dos chefs que desfrutam de notoriedade, impulsionados agora pelas potentes redes sociais. E eis que a roda da história os faz agora trilhar o percurso de volta — de restaurantes estrelados para a cozinha particular de gente que pode contratá-los para saciar, ao mesmo tempo, o paladar e a crescente aspiração por exclusividade.
Em meio a este fenômeno, que não se restringe a um ou outro jantar, mas se estende pelo cotidiano alimentar de pessoas em busca de menus personalizados, ascendem figuras como a americana Brooke Baevsky, que se autodenomina “a cozinheira das celebs”. Sua lista é farta, assim como as exigências de clientes como o ator Adam Sandler, que lhe encomendou um menu de bebidas à base de duas dezenas de superalimentos e onze suplementos. A duquesa Meghan Markle é outra que lhe impôs um desafio: preparar um pão de banana sem glúten, laticínios nem açúcar refinado — um verdadeiro xadrez.
No ambiente virtual, Brooke e tantos outros deixam entrever a intimidade da clientela estelar, o que faz atiçar um mercado que cresce com a adesão de gente menos conhecida, mas igualmente à caça de experiências únicas à mesa. Uma medida do interesse despertado pela tendência, que começou nos Estados Unidos e deságua no Brasil, são as visualizações no TikTok da hashtag #privatechef — mais de 6 bilhões. Algumas das exclusivíssimas receitas curiosamente se massificam ao cair no gosto da vasta plateia nas redes, atraída pela criatividade com pendor para o espetáculo. Foi o caso de uma pizza assada por Brooke, com caviar, figos orgânicos e folhas de ouro ao custo de 2 000 dólares.
O que faz com que uma turma de cozinheiros já escolados opte pela vida de personal é, antes de tudo, dar uma trégua no cotidiano rígido de restaurantes laureados. “Todo dia entrava às 10 da manhã e só saía depois das 23h”, conta Júlio Marques, 23 anos, que passou por quatro estabelecimentos na lista do Guia Michelin de São Paulo e hoje maneja as panelas em diferentes casas. No exterior, os profissionais que conseguem ingressar no circuito dos supervips chegam a faturar 250 000 dólares ao ano, podendo engrossar a renda em outras frentes, como a garimpagem de ingredientes raros para abastecer tão exigentes despensas. No Brasil, as cifras, embora menos parrudas, crescem. Há até agências de cozinheiros particulares, cujo preço varia conforme o escopo do serviço (o cachê de um profissional para um jantar personalizado não sai por menos de 4 000 reais). “Adoro a possibilidade de montar pratos sob medida para o meu paladar”, diz a advogada Alessandra Hazl, 48 anos, adepta das “marmitas gourmet”. É só abrir o bolso e bon appétit.
Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964