Ivan Brehm estava desanimado com a falta de oportunidades na cozinha quando conseguiu um estágio em um dos maiores restaurantes do mundo. Ele morava nos Estados Unidos depois de ter conquistado uma bolsa de estudos para estudar no Culinary Institute of America. Ligou para a mãe, deprimido, e recebeu a recomendação: imprima 90 currículos e só volte pra casa depois de entregar todos. Bateu perna por Nova York e passou por diversos restaurantes, mas voltou para casa sem grandes perspectivas. Foi então que recebeu uma ligação do irmão. “Ele também morava em Nova York e havia tomado uma cerveja com alguém do Per Se“, conta Brehm. Sob o comando do chef Thomas Keller, o Per Se era uma verdadeira instituição da gastronomia americana, com três estrelas no Guia Michelin. O irmão havia “hackeado” seu e-mail e encaminhado seu currículo para o funcionário do restaurante. Deu certo. Ele foi chamado para uma entrevista e conseguiu a vaga. Foi o início de uma trajetória brilhante que o levou para o The French Laundry, outra casa de Keller com três estrelas. Viajou para Inglaterra e Itália e desde 2017 comanda o Nouri, em Cingapura, que recebeu uma estrela Michelin. E, agora, veio ao Brasil para cozinhar ao lado de Ivan Ralston, do Tuju, um dos únicos restaurantes do país com duas estrelas Michelin.
Em um almoço único, servido em 11 etapas, a maior parte dos pratos foram criações conjuntas. Quatro deles fazem parte do menu atual do Tuju: alcachofra em conserva com molho de tofu e semente de quiabo, lagostim com pupunha e baunilha, peixe grelhado com milho e flor de abobrinha e pato com beterraba e jabuticaba. As outras sete etapas foram desenvolvidas a quatro mãos pelos dois chefs. “Não gosto de fazer colaborações que não são colaborações de fato”, afirma Brehm.
No Nouri, Brehm trabalha no que chama de intersecção da cozinha. “Acho que é por isso que nossa comida agrada tantas pessoas diferentes”, diz o chef. No menu atual, por exemplo, tem alguns pratos que exploram o potencial da mandioca, apresentando preparos comuns para os brasileiros, mas desconhecidos para outros comensais. Além do restaurante, mantém um centro de pesquisas, o Appetite, que investiga não apenas a comida, mas também as artes. “Documentamos, arquivamos e reinterpretamos os padrões de migração, comércio, guerra e intercâmbio ao longo do tempo e da geografia. Chamamos essa abordagem de pensamento transversal. Nossa equipe multidisciplinar e conselho consultivo inclui chefs, antropólogos, historiadores, jornalistas, artistas e designers”, diz a proposta do Appetite.
O estilo de Brehm cativou Ralston, que não costuma fazer muitos eventos do tipo. “O Ivan tem um paladar global e uma forma de compreender a gastronomia também global”, afirma Brehm. ambos se conheceram em um evento no Brasil. Foram aproximados por um amigo em comum e desde então passaram a manter contato. Esta é a terceira vez que cozinham juntos. A primeira vez foi em Cingapura, quando Ralston passou um tempo com Brehm. E no ano passado ambos cozinharam juntos no novo endereço do Tuju.
A aproximação entre os dois chefs se manifesta, por exemplo, no surpreendente prato feito com caranguejo, galinha caipira e sambal verde. O sambal é um tipo de “pesto” do sudeste asiático, repleto de especiarias e leve picância. O sabor da galinha confere uma percepção de “comfort food” ao prato, mesmo que ele seja elaborado com ingredientes e sabores vindos do outro lado do mundo. Ou na lebre de caça do Paraná, servida sobre um risoto de fregola, com trufas negras brasileiras. Mesmo quando os ingredientes são nacionais, há um olhar contemporâneo e global.
O último serviço do Tuju, restaurante brasileiro mais bem colocado no Latin America’s 50 Best, em 2025 acontece no sábado, dia 20. Atualmente, o restaurante está servindo o menu Umidade 2025, que deve ser retomado a partir de 5 de janeiro. Brehm logo volta para Cingapura. Mas o trabalho do chef merece ser acompanhado – e o Nouri deve ser parada obrigatória para quem viajar ao país.