O furacão da internet, desde que começou a girar em meados da década de 1990, nunca mais parou de mudar a sociedade como a conhecíamos. Até mesmo de onde se imaginava improvável que ela tirasse a poeira, a revolução digital deu um jeito de reinventar os caminhos — e, então, no território movediço das relações amorosas, deu-se início a um novo tempo. A atração entre seres humanos, sem a qual a humanidade não existiria, passou do toque e do olhar para dentro do smartphone. Até aí, aparentemente é história já batida, com cupidos virtuais — influenciadores, como se diz — prontos para ajudar a encontrar a alma gêmea, até mesmo com cursos on-line devidamente pagos.
Nas últimas duas semanas, VEJA seguiu dez personagens atuantes nessa área que, na soma de seus membros, acumulam mais de 6,5 milhões de seguidores. A conclusão, em forma de paradoxo: em ambiente tecnológico tão moderno, a mensagem que hoje ganha espaço é antiquada e conservadora. Parte desses cupidos virtuais prega a volta da era em que a mulher, para encontrar um parceiro e se dar bem no amor, tinha de se submeter ao desejo masculino. Parados no tempo, eles também ignoram mudanças de comportamento que derrubaram preconceitos e abriram espaço para outros arranjos, a exemplo dos casais do mesmo gênero.

Essa mentalidade retrógrada é o ponto de partida para que esses influencers destilem conselhos cheios de preconceitos e vazios de qualquer base teórica. Exemplo disso é a pérola machista sugerindo que uma mulher que teve vários parceiros sexuais é uma pretendente a evitar. “Ela vai perdendo a capacidade de se apaixonar e não consegue mais entrar em um relacionamento”, justifica Breno Faria, de 31 anos. Policial de profissão, ele é dono da página Café com Teu Pai (qualquer semelhança com o devocional Café com Deus Pai não é mera coincidência), que reúne quase 1 milhão de fãs. Orientações desse quilate são oferecidas para quem pagar 57,90 reais pelo curso intitulado “A mulher que ele assume”, já adquirido por cerca de 8 000 usuários. “Não sou machista, apenas retrato o mundo como ele é”, diz Faria, que se classifica como “um burro que carrega verdades”.
Como ocorre com outros temas polêmicos na ágora das redes, as opiniões controversas engajam a audiência e promovem uma onda capaz de atingir até quem não se interessa por esse tipo de conteúdo. “De tanto aparecer, uma hora a narrativa ganha contornos de verdade”, diz Edson Prestes, professor do Instituto de Informática da UFRGS. Para os pensadores dados a inventar regras, a consorte — o termo antiquado combina com o ideário — deve priorizar a família e os filhos e optar por trabalhar apenas se precisar de renda complementar. Também não pode demonstrar irritação ou questionar as decisões do namorado. “É a obrigação da mulher arrumar a casa e do homem prover”, diz o administrador Moacyr Saldanha, 39 anos, mentor do curso “Como ter uma mulher submissa” (97,90 reais), à disposição para seu rebanho de 460 000 seguidores. “Está escrito na Bíblia”, completa ele.

Mulheres também fazem sucesso com conselhos para uma vida a dois menos conflituosa. A receita é simples: basta deixar a última palavra para o marido. “Casamento não é assembleia, onde todo mundo levanta a mão para votar”, afirma a psicoterapeuta Yasmin Fleming, em um de seus vídeos que promovem o curso “Casamento raiz” (276 reais). “Enquanto você insiste em disputar cada decisão, ele sente que precisa brigar por espaço para liderar a própria casa.” A postura, é o que indica o volume de cliques em perfis conservadores, vai na contramão de um movimento necessário, o do feminismo. “Essa visão frágil do que é ser mulher, proposta por esses canais na internet, não é solução para as angústias enfrentadas por elas todos os dias”, diz a socióloga Isabelle Anchieta.
A ideia disseminada pela onda à moda antiga pressupõe que o resgate das tradições é o preço a ser pago pela flechada do anjo casamenteiro. Esse tipo de sedução pode falar alto a quem não suporta mais a solidão. “Ao sentir-se só, a pessoa passa a acreditar que a coisa mais interessante que pode acontecer é encontrar um parceiro”, diz o psicanalista Christian Dunker. Aprender a amar, contudo, exige muito mais do que abrir a carteira e ter disposição de gastar algumas horas diante da tela do celular, ouvindo platitudes. A vida é mais complexa e muito mais interessante.
Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2025, edição nº 2960