O governo de Cuba demitiu sua ministra do Trabalho e Previdência Social, Marta Elena Feitó Cabrera, na noite de terça-feira 15, após cair muito mal uma fala em que ela afirmou que “não existem mendigos” no país – pedintes seriam todos “falsos”, em busca de “dinheiro fácil”. Os comentários, feitos durante sessão parlamentar transmitida ao vivo pela TV, virou um para-raios da frustração da população com a crise econômica na ilha comunista e Feitó, sob intensa pressão, apresentou a carta de renúncia, prontamente aceita pelo Partido Comunista e pela administração.
Um breve anúncio do governo afirmou que a ministra demonstrou falta de “objetividade e sensibilidade em temas que atualmente são centrais para as políticas públicas e governamentais”. Anteriormente, ela foi publicamente repreendida pelo presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, que afirmou em audiência na terça que Feitó demonstrou falta de empatia e compreensão das raízes da pobreza.
“Essas pessoas, que às vezes descrevemos como sem-teto ou ligadas à mendicância, são, na verdade, expressões concretas das desigualdades sociais e dos problemas acumulados que enfrentamos”, disse o presidente. “Os vulneráveis não são nossos inimigos.”
Embora sem mencionar a ministra nominalmente, Díaz-Canel deu mais alfinetadas, afirmando que a liderança do país não pode “agir com condescendência” ou estar “desconectada da realidade” da população.
Comentário insólito
Durante uma sessão da Assembleia Nacional na segunda-feira 14, Feitó sugeriu que as pessoas que vasculham lixo em Havana e outras cidades cubanas o faziam, em essência, por opção, para ganhar “dinheiro fácil”.
“Vemos pessoas que parecem mendigos, mas quando você olha para as mãos delas, quando você olha para as roupas que essas pessoas vestem, elas estão disfarçadas de mendigos”, disse ela. “Não existem mendigos em Cuba. Há pessoas fingindo ser mendigos para ganhar dinheiro fácil. Eles encontraram um modo de vida fácil, para ganhar dinheiro e não para trabalhar, como é apropriado”, completou.
A então ministra do Trabalho acusou ainda as pessoas que vasculham lixeiras de serem “participantes ilegais do serviço de reciclagem”.
Claramente, Feitó avaliou mal as repercussões de seus comentários. Tanto as críticas e indignação da população quanto a repreensão pública que a ministra recebeu são incomuns em Cuba, onde protestos contra o governo são proibidos por lei e a oposição aberta pode levar dissidentes à prisão.
Em resposta à sua alegação de que não existem mendigos em Cuba, mas sim pessoas disfarçadas, o economista cubano Pedro Monreal escreveu no X (antigo Twitter): “Deve ser que também haja pessoas disfarçadas de ‘ministros’”.
Vários ativistas e intelectuais cubanos também publicaram uma carta pedindo sua demissão, afirmando que os comentários eram “um insulto ao povo cubano”.
Pobreza
Feitó também parece ignorar que os níveis de pobreza e a escassez de alimentos pioraram em Cuba, que continua a lidar com uma grave crise econômica. Por conta disso, tornaram-se mais comuns cenas de pessoas vasculhando lixeiras em busca de comida e dormindo na rua. Em paralelo, quem tem teto continua a ser afetado pela dificuldade de acesso a combustível e por frequentes cortes de energia.
De acordo com a sétima edição do estudo “O Estado dos Direitos Sociais em Cuba”, publicada em 2024 pelo Observatório Cubano de Direitos Humanos (OCDH), uma organização independente com sede em Madri, 89% da população cubana vive em condições de “extrema pobreza”. Isso ocorre em um momento em que a ilha atravessa uma crise econômica que, segundo especialistas, já é mais grave do que a do início da década de 1990.
O estudo também revelou que 86% das famílias cubanas vivem “à margem da sobrevivência” e que, destas, 61% não têm sequer o suficiente “para comprar o essencial para sobreviver”. Para 72% dos entrevistados, a crise alimentar é o principal problema do país: sete em cada dez cubanos pararam de tomar café da manhã, almoço ou jantar por falta de dinheiro ou escassez de alimentos. Apenas 15% conseguem fazer três refeições por dia regularmente. A faixa etária mais afetada na hora de colocar comida na mesa é, segundo a pesquisa, a de pessoas com mais de 70 anos.
Depois da alimentação, os problemas que mais preocupam os cubanos hoje são os apagões, seguidos pelo custo de vida — agravado pelas taxas de inflação de até três dígitos registradas no país —, além de salários baixos, corrupção e o estado da saúde pública. A falta de medicamentos, a deterioração dos hospitais e a falta de suprimentos viraram comuns no país que já se autodenominou uma “potência médica”. O estudo observa que 38% dos idosos não conseguem obter medicamentos, a maioria devido ao custo, mas outros devido à escassez.