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Crise climática é também uma crise de saúde

Poucos duvidam que as mudanças climáticas são um problema real e que o futuro das próximas gerações depende de como iremos enfrenta-lo agora, no presente.

Isso deriva não apenas do quase consenso que há na comunidade científica a respeito do tema, mas também do fato de que, em muitos aspectos, as mudanças climáticas deixaram de ser uma possibilidade distante no horizonte e passaram a afetar nosso cotidiano – basta pensar no aumento da intensidade e frequência dos chamados “eventos climáticos extremos”, como enchentes e estiagens.

Para ficar num exemplo, recordaria aqui uma pesquisa do ano passado, feita pela PwC e pelo Instituto Locomotiva, que apontou que 8 em cada 10 brasileiros notaram chuvas mais fortes que o habitual nos últimos anos, atribuindo essa mudança à ação do homem.

Se as mudanças climáticas são, portanto, um fenômeno bem conhecido socialmente, o mesmo não se pode dizer do seu impacto sobre a saúde. A maioria de nós ainda pensa em “meio ambiente” e “saúde” como campos diferentes, mas a verdade é que descobrimos cada vez mais correlações entre eles. Infelizmente, ainda damos pouca atenção para o risco que um clima descontrolado oferece ao sistema de saúde.

Um dos estudos mais abrangentes sobre o tema foi publicado no ano passado pela prestigiosa revista Lancet. A publicação constatou que 10 dos 15 indicadores de ameaças à saúde pioraram em decorrência do aumento da temperatura.

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Fiquemos num exemplo bem conhecido de nós, brasileiros: a dengue. Em 2023 tivemos um recorde histórico de 5 milhões de casos ao redor do mundo. Na América do Sul, países como Brasil, Peru e Colômbia enfrentaram surtos anormais. Regiões que não costumavam conviver com a doença, como Estados Unidos, Itália, França, ou mesmo partes do sul brasileiro, registraram casos de contágio pela primeira vez. A Lancet estima que o risco global de transmissão da dengue cresceu 11% nos últimos dez anos.

A explicação é simples: temperaturas mais elevadas propiciam a reprodução do Aedes aegypti. Nas últimas décadas, mais e mais áreas do planeta passaram a ter condições climáticas favoráveis ao mosquito transmissor da doença.

Outro bom exemplo de correlação entre clima e saúde são as ondas de calor. A Lancet apurou que desde a década de 1990 as mortes de idosos (acima dos 65 anos) por conta do calor aumentaram impressionantes 167%. Em 2023, pessoas de todos os países foram expostas em média a 50 dias “extra” de temperaturas elevadas.

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As mudanças climáticas também afetam a segurança alimentar da população mundial, com consequências óbvias para a saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que 3 bilhões de pessoas já vivem áreas altamente suscetíveis a ondas de calor, secas prolongadas, inundações, tempestades, incêndios florestais e demais fenômenos que podem desequilibrar a produção de alimentos. Escassez de alimentos significa que a nutrição das famílias pobres ficará ainda mais comprometida, o que desencadeia uma bola de neve de consequências negativas para a saúde.

Esse conjunto de fatores leva a OMS a prever que até 2050 veremos um aumento de 250 mil mortes por ano em decorrência das mudanças climáticas. Sidney Klajner, médico e presidente do Hospital Albert Einstein, resumiu bem a questão numa entrevista do ano passado ao jornal O Globo: as mudanças climáticas têm impacto na saúde porque, afinal, “tudo impacta a saúde”.

A situação é preocupante, mas o Brasil tem a chance de começar a reverte-la, colocando a agenda da saúde no centro das discussões sobre mudanças climáticas. Refiro-me à COP 30, a mais importante conferência global sobre mudanças climáticas e que será realizada em novembro em Belém (Pará).

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Até então, as edições da COP têm falado muito sobre transição energética, combustíveis fósseis, poluição dos oceanos, proteção das florestas, pegada de carbono e temas correlatos – todos eles fundamentais, sem dúvida. Mas pouca atenção é dada aos sistemas de saúde, que precisam se preparar para uma nova realidade. Afinal, mesmo que todas as nações adotassem uma postura mais “verde” da noite para o dia, ainda assim o equilíbrio ecológico do planeta já foi alterado, com consequências diretas e indiretas para a saúde das pessoas.

Portanto, a COP 30 pode ser o “palco” no qual a saúde passará enfim a receber o devido destaque. O Brasil, dono do maior sistema público e universal de saúde do planeta, o SUS, tem autoridade para falar sobre o tema, podendo influenciar concretamente as estratégias globais de enfrentamento de uma crise que, afinal, é climático-sanitária.

Essa é uma oportunidade histórica que não podemos desperdiçar.

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