A Corte Constitucional da Itália rejeitou os pedidos para limitar o reconhecimento à cidadania italiana pelo chamado jus sanguinis, ou “direito de sangue”. A decisão emitida na quinta-feira 31, foi dada após tribunais de várias cidades italianas, como Roma, Milão, Florença e Bolonha, questionarem o direito de obter o documento sem haver qualquer vínculo com o país.
O parecer, porém, não afeta a nova lei que, recentemente, endureceu os procedimentos para tirar a cidadania italiana.
O caso
Juízes de instâncias inferiores levaram à Corte Constitucional a contestação de um trecho de uma lei de 1992, que garante cidadania a filhos de italianos sem exigir vínculos territoriais com o país. Os magistrados pediam ao tribunal superior que declarasse inconstitucional o modelo atual de concessão cidadania, com base no argumento de que, em casos de descendentes nascidos e residentes no exterior, o laço com a Itália poderia ser frágil ou inexistente. Isso deveria ser substituído, segundo suas propostas, por critérios como limite de gerações, residência na Itália ou conhecimento da língua italiana.
A Corte Constitucional, porém, afirmou que as regras acerca da cidadania são tema para o Legislativo, não o Judiciário, e rejeitou a maior parte dos questionamentos como “inadmissíveis” ou “infundados”. O tribunal sublinhou que a decisão favorável ao jus sanguini não afeta as mudanças recentes na lei da cidadania, aprovadas pelo Parlamento em maio, mas se restringia, no caso apresentado pelos juízes de cidades Itália afora, a pedidos de reconhecimento apresentados das novas regras entrarem em vigor.
Apesar disso, alguns têm esperança de que o parecer poderia abrir espaço para a contestação da nova lei no futuro, uma vez que o Parlamento votou por restringir o direito à cidadania por descendência a apenas filhos e netos de italianos nascidos fora do país. Em um dos trechos da decisão, por exemplo, a corte destacou que o direito à cidadania por descendência é permanente, não prescreve e pode ser reivindicado a qualquer momento, desde que a pessoa comprove ter o direito.
Nova lei
Aprovada em março, a nova regra italiana muda o princípio do “jus sanguinis” (direito de sangue), que dava o direito de qualquer pessoa com um ancestral italiano vivo após 17 de março de 1861, quando foi criado o Reino da Itália, solicitar a cidadania. Com a mudança, dos descendentes de italianos nascidos no exterior, apenas filhos e netos têm direito ao documento.
A transição será feita de forma gradual, sem afetar aos pedidos que já estavam em andamento antes de 28 de março, nem mudar o status de quem já tem cidadania ou passaporte italiano. A partir de 2026, os pedidos serão centralizados em uma agência especializada em Roma, que será responsável por dar seguimento ou não – até agora, consulados e órgãos administrativos na Itália eram os responsáveis pela análise.
Outra mudança relevante foi a substituição da exigência de que o ascendente italiano tenha nascido na Itália. Em seu lugar, passou a valer a regra de que o ancestral deve possuir, ou ter possuído, exclusivamente a cidadania italiana no momento da morte. Isso implica que descendentes cujos avós ou pais tinham dupla cidadania, como a brasileira, podem ser excluídos do direito.
Também poderá obter o reconhecimento aquele cujo genitor residiu por no mínimo dois anos ininterruptos na Itália após adquirir a cidadania e antes do nascimento do filho. Assim, passa ter direito ao documento: 1) filhos e netos de italianos; 2) casados por pelo menos três anos com italianos, ou apenas um ano e seis meses caso o casamento tenha gerado filhos; 3) pessoas que residem legalmente na Itália há 10 anos ou mais.
Numa segunda fase da lei, o governo italiano quer implementar medidas que façam com que os cidadãos que moram no exterior (nascidos ou não na Itália) mantenham vínculos com o país, exercendo seus direitos e deveres legais pelo menos uma vez a cada cinco anos. Não foi decidido, porém, quando essa etapa entrará em vigor, nem como será aplicada na prática.
Além disso, desde janeiro, o valor da taxa administrativa para tirar a cidadania italiana dobrou para 600 euros (cerca de R$ 3.870).
A medida tem impacto direto sobre brasileiros e argentinos descendentes de italianos, países que receberam milhões de imigrantes a partir do final do século XIX. Apenas no Brasil, estima-se que entre 1870 e 1920, cerca de 1,4 milhão de italianos tenham desembarcado. Hoje, mais de 30 milhões de brasileiros são considerados descendentes e, apenas em 2024, mais de 20 mil cidadanias foram reconhecidas aqui, número 42% maior do que o registrado no ano anterior.