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Corrupção cotidiana

Um amigo tem um filho que sonha ser jogador de futebol, como muitos garotos hoje em dia. Recentemente houve um campeonato de times juvenis em Curitiba onde, soube-se, haveria muitos “olheiros”. O pai, de vida modesta, fez até rifa para custear a viagem. Foram os dois. Os times se enfrentavam não na esperança de propriamente ganhar, mas de serem notados. A certa altura, o pai foi abordado por alguém que garantiu estar entrosado com toda a estrutura do campeonato. O homem pediu uma grana especial, garantindo que colocaria o menino na “peneira” na qual seriam escolhidos os contratados. Note-se: ao que se saiba, ele não tinha nenhuma relação, muito menos oficial, com os organizadores. Meu amigo não pagou e o homem foi em busca de outras vítimas. O time de seu filho não venceu e a chance de ser escolhido não aconteceu.

Sempre há alguém que tenta ganhar em cima das esperanças dos outros. Nossas vidas estão repletas de pequenas corrupções — se é que corrupção pode ser pequena. Não me conformo. Fiquei chocado certa vez em um supermercado de luxo, paulista, ao ver uma senhora idosa, bem vestida, dando uma gorjeta extra ao açougueiro, para ele lhe dar um pedaço de carne “especial”. Se o melhor pedaço vai para quem paga por fora, o que sobraria para mim? Era a venda explícita da vantagem, por fora.

“Sempre há os que tentam ganhar em cima das esperanças de outros. Não sentem problema de consciência?”

As corrupções fazem parte do dia a dia. É o flanelinha que arruma uma vaga quando não há para mais ninguém — mas que ele, com “jeitinho”, reservou. É o “rapaz” que arruma um ingresso para o show esgotado. É um exército de gente especializada em favores, soluções, privilégios cotidianos. Gostam de dizer que isso é tipicamente brasileiro. Não acho. Em minhas viagens, por todos os lados sempre vi alguém disposto a “quebrar o galho” a troco de alguma recompensa.

A busca de privilégios faz parte do mundo atual. Em contrapartida, há as pessoas que não podem ou, ainda, se recusam a pagar “por fora” e que, no frigir dos ovos, acabam em desvantagem. Houve uma época, confesso, em que sonhava prestar concurso e ter um emprego público seguro e garantido (nada contra, mas hoje sou feliz por ter seguido meu caminho de escritor, com menos certezas e mais entusiasmo). Na época cheguei a me inscrever para um concurso que nunca prestei. Lembro que, nas filas, imensas, havia quem chegasse cedo e oferecesse o lugar como moeda de troca. Hoje não sei se acontece assim, porque a internet facilitou as inscrições, tendo como efeito colateral o fim desses esquemas. Mas também acredito que a corrupção está entranhada, e sempre há um esquema.

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Há os que têm entranhado o desejo de viver em uma sociedade de privilégios e não se importam com quem não tem cash. Por isso tantas áreas vips, não é? Não sentem um problema de consciência em pisar nos outros? É óbvio que muita gente não tem. E que, lamentavelmente, está disposta a pagar por isso, mesmo passando por cima de alguém.

Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2025, edição nº 2955

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