Por alguma dessas coincidências difíceis de explicar, passagens de “O Pequeno Príncipe” têm aparecido no meu cotidiano. Por muitas décadas, o livro de Antoine de Saint-Exupéry foi qualificado como infantil. Então, não deixam de surpreender as menções a ele vindas do “mundo dos adultos”, por parte de empresários, militares e juristas.
Se for para arriscar uma razão para esse ressurgimento, diria que ele tem a ver com resgatar a empatia. É uma qualidade que hoje parece cada vez mais escassa e que “O Pequeno Príncipe” ilustra de forma simples e delicada.
Outro dia, uma notícia de jornal me confirmou isso. Ao procurar um tribunal argentino para deixar de pagar a pensão dos filhos, um pai acabou recebendo da juíza uma curiosa condenação: ler o livro. A magistrada se chocou com a falta de empatia do homem e achou que a reflexão seria melhor do que uma pena.
No livro, um aviador que se acidenta no deserto recorda o encontro que teve com um misterioso menino, surgido do nada. O viajante não explica por que chama seu companheiro de “pequeno príncipe”. Tenho para mim que o apelido vem da nobreza de coração que a criança expressa.
O narrador aprende muitas coisas com seu visitante, e a atitude da juíza ecoa a mesma convicção: as crianças nos relembram a criatividade e a pureza que perdemos ao crescer.
Muitas ideias do livro se gravaram no imaginário popular. A juíza argentina lembrou aquela que diz que “o essencial é invisível aos olhos”, defendendo que o afeto do pai era mais importante do que os recursos materiais. Mais famosa ainda é outra passagem: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Lição que ressoa muito em tempos de relações pessoais cada vez mais voláteis.
Ambos os trechos vêm dos diálogos do principezinho com uma raposa. É o animal quem ensina ao ingênuo protagonista o sentido do amor e da amizade. Por isso, o encontro entre os dois costuma ser visto como o ápice do livro.
Mas, para chegar ali, o menino faz uma longa jornada, do asteroide B612, minúsculo planeta onde vive, até a Terra. No caminho, se depara com uma gama variada de personagens, cada qual dedicado aos seus afazeres e certezas.
Ele deixa que um rei se acredite poderoso e que um vaidoso se sinta belo; tem dó de um bêbado e se espanta com um empresário que pensa possuir as estrelas. No menor planeta, se admira com um acendedor de lampiões, trabalhando sem descanso. Por fim, com um geógrafo, entende que o mundo é vasto.
O pequeno príncipe é movido apenas pela curiosidade. Não carrega preconceitos. Em nenhum momento, julga os personagens ou insiste em modificar a maneira como pensam. Ao contrário: se deixa transformar.
É um fato de que a empatia nos modifica. Qualquer um se sente melhor por ser compreendido. Não à toa, é um traço essencial a quem cuida da saúde alheia. Mas não estou falando só de quem a recebe. Ela também é benéfica para quem a pratica.
Nossos sistemas de recompensa, acionados quando somos generosos, estão ligados à regulação da pressão arterial e da resposta inflamatória. Por isso, quem se dispõe a ajudar os outros vive mais.
Estudos também dizem que um terço da nossa capacidade de empatia é herança genética. Mas, se isso não veio no seu DNA, você pode aprender. “O Pequeno Príncipe” está aí para mostrar.