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Copom: saiba como é a reunião secreta para decidir Selic

Você acorda, olha o noticiário, vê Bolsa caindo, dólar subindo, político brigando, Trump fazendo “arroubos” lá fora… e imagina os integrantes do Comitê de política monetária do Banco Central (Copom) grudados na tela, tuitando, mandando mensagem…

Só que não.

Quando o Copom se reúne para decidir a Selic de 15% ao ano – que define do rotativo do cartão ao financiamento da casa própria – o Brasil inteiro fala do Copom. Mas o Copom, nessas horas, não fala com ninguém.

Zero internet

O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, contou a empresários uma cena que parece filme antigo, não reunião que move trilhões:

  • oandar inteiro do prédio fica sem sinal;
  • ninguém tem acesso a internet, celular ou qualquer comunicação externa;
  • até o resultado doFederal Reserve (o BC dos EUA), quando a reunião coincide, chega de um jeito quase vintage:

Um papel enfiado por baixo da porta.

É assim que a decisão e o comunicado do Fed entram na sala — impressos, discretamente, enquanto os diretores estão trancados debatendo os juros brasileiros.

Na mesa, nada de notebook conectado:o que tem, segundo Galípolo, são dicionários enormes, para revisar palavra por palavra do comunicado, principalmente na versão em inglês. Tanto que ele brincou: às vezes, quando a decisão demora, não é por briga sobre a Selic, e sim porque alguém inventou uma palavra que nem todo mundo conhece em inglês – e aí começa a discussão de vocabulário.

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“Antes era no grito”

O professor Ricardo Rocha, coordenador de finanças do Insper e ex-tesoureiro de banco, lembra como era o mundo antes de 1996, quando o Copom foi criado.

“O Banco Central decidia a taxa de juro pela mesa de operações. Não tinha justificativa, não tinha comunicado claro. Era todo mundo tentando adivinhar.”

Na prática:

  • o BC mexia a taxa, avisava o mercado pela mesa,
  • não havia ata estruturada, nem explicação pública detalhada,
  • executivos de bancos faziamfila para falar com o diretor de política monetária e tentar entender (ou influenciar) o próximo passo.

Hoje, a coreografia é outra:o Copom se reúne dois dias, decide, solta um comunicado enxuto na quarta à noite e, uma semana depois, vem a ata, que é quase o “making off” da decisão.

Para Rocha, o ponto não é todo mundo concordar com a Selic:

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o importante é a decisão ser coerente com a justificativa.

Ou seja: se o BC diz que está preocupado com inflação de serviços, câmbio, fiscal, expectativas, a Selic precisa conversar com esse discurso. Se não conversa, o mercado pega no pé.

É aí que entra Lauro González, coordenador de microfinanças da FGV. Ele resume o motivo de tanta obsessão com cada frase do BC:

  • ocomunicado, logo após a decisão, aponta a direção;
  • aata, uma semana depois, mostra em detalhes por que aquela decisão foi tomada e como o Copom está enxergando o futuro.

Em reuniões como a desta semana o número em si deixa de ser a estrela. O que vale ouro é qualquer pista sobre:

  • quandocomeça o ciclo de queda de juros (janeiro? março? mais tarde?),
  • quão rápidoo BC pretende cortar,
  • eo que ele está enxergando de risco à frente: inflação, fiscal, dólar, cenário externo, eleição.

Por isso, cada verbo, cada advérbio (“provavelmente”, “de forma parcimoniosa”, “se necessário”) vira análise em relatório de banco. Uma palavra mais dura ou um tom um pouco mais suave podem mexer com dólar, Bolsa e juros futuros em questão de minutos.

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Técnica, arte – e incerteza

Lauro faz questão de lembrar que não existe fórmula mágica que cuspa “Selic = X%” na tela do diretor do BC:

política monetária é meio técnica, meio arte.

Os técnicos entram na sala com:

  • projeções de inflação,
  • modelos econométricos,
  • cenários para PIB, câmbio, crédito, emprego.

Mas o mundo real vem junto:arroubos de Trump, crise na Venezuela, ruído político doméstico, briga fiscal, eleição se aproximando.

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Tudo isso entra no debate – mas não como uma equação exata. É aí que aparece o lado “arte”: ponderar o que é ruído, o que é tendência, o que é risco, o que é incerteza.

Como Lauro observou em outra resposta:risco você administra; incerteza, não.E o Copom passou a operar justamente num ambiente em que as duas coisas convivem.

O contraste é curioso:para decidir a taxa que define o preço do dinheiro na economia digital, o Banco Central ainda recorre a uma estratégia bem analógica — porta fechada, papel, dicionário e silêncio absoluto.

E é justamente daí, desse bunker sem sinal, que sai o comunicado que o mercado lê linha por linha, tentando adivinhar o que o Copom vai fazer na próxima vez que se trancar lá dentro.

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